domingo, 8 de abril de 2012

A rara planta rara



Andava por aí meio moribundando pelos caminhos. Meio sem muita graça, Estava sem emprego e não tinha medo de trabalho. A cidade não era grande, vai que um conhece outro que conhece outro que sabe de um seviço. Vou perguntar na praça, sabe como é...o povo da praça vê tudo que se passa. Perguntou por lá, tinha um que sabia. Serviço? Vá na casa de Dona Vida capaz dela arranjar alguma coisa pra você. E onde é que é a casa dela? Depois da rua do mercado, cê desce, lá no final tem um sitizinho, um casebre verde. Não tem erro. E assim ele foi. Batendo a porta, batendo as palmas anunciando um "Oh de casa?". Uma senhora (carrancuda) abriu, essa devia ser Dona Vida. Velha de uma olhar que consegue despir até o mais fechado dos homens. Ela olhou aquele moço na beira da cerca - Qui é? - Opa, a senhora que é Dona Vida? - ela fez que sim - Me disseram que a senhora havia de me dar um emprego. Trabalho de qualquer coisa. Ela levantou a sobrancelha, mirou o moço de cimabaixo de baixoacima. Resmungou qualquer coisa que o moço não entendeu...por fim...Cê sabe cuidar de planta? - Ah, sei aprender! - Rum, então aparece aqui amanhã às 6h. Eu disse 6h nada de 6h05, 6h10, tem que ser 6h. Se conseguir isso o emprego já é seu. E fechou a porta sem aviso. Deixou o moço assim, meio bobo, mas feliz. E no outro dia o moço foi pra casa verde. A velha abriu o galpão, mostrou as ferramentas e passou o serviço. Ele sofreu um pouco. No começo as plantas estranharam o novo trato. Não que não gostassem da mão do moço, mas se assustaram, sabe como é tanto tempo numa mão só. Mas não demorou muito e elas floresceram, cresceram e o jardim "meia boca" de Dona Vida se tornou o mais vistoso já visto em Três Pontes. E por fim a Dona até que criou gostura pelo moço. E a convivência foi se estreitando tanto que ela passou para os cuidados do moço a flor mais querida, mais rara, mais valiosa. Fez mil recomendações, disse para ele cuidar bem daquela planta porque ela só floresce uma vez, depois nunca mais. Ele feliz da vida com a confiança de Dona Vida se esmerou no trabalho e na dedicação. Mas sabe como é...sabendo da confiança de Vida ele começou a relaxar...deixa, depois eu faço...a preguiça era mais forte, a vontade de ver as moças na praça, pensar a toa, ver o dia correr sem vontade. Ele já nem dava muita atenção pras plantas e...bom, elas resistiram enquanto puderam. Quando Dona Vida foi se dar conta já era bem tarde, tarde demais. As orquídeas, tulipas, rosas, os cravos...mas não! Ela não! Como ele pode? Dona Vida não podia acreditar, mas guardou a briga para o outro dia, para quando o moço estivesse lá. Chegou atrasado o moço e ela o esperava no galpão sentada ao lado de sua rara planta rara, cigarro de palha entre os dedos, olhar morto. Olhar dela, olhar dele. Olhar dele no dela. Silêncio. Ela principiou um mexer de boca, ele tenso, todo rígido como alguém que espera a primeira chibatada. Ela começou. Você só pode ser muito burro. Só isso explica a sua atitude. Meu caro, confiança é coisa que se conquista uma vez só, uminha só. Que nem papel quanto amassa, não alisa outra vez. Vê essa planta que eu, Dona Vida, lhe confiei? Chama-se amor e como disse só floresce uma vez, só. Por isso tem que ter trabalho diário, contínuo, compreende? Só mesmo sendo muito burro pra não fazer ela crescer bem muito. Bom, agora sua oportunidade se foi, como eu já disse floresce uma vez só. Agora cate o que restou de seu e suma daqui. O moço percebeu o que fez, como que lhe voltaram os sentidos. Saiu. Ele ainda voltou na casa de Dona Vida pra tentar nova chance, mas ela é um tanto rancorosa, quando dá uma chance boa demora a dar de novo. Ah, mas essa é a história que o povo lá da praça tá contando...e cê sabe como é povo de praça né? Sempre aumentando as histórias [ou talvez não].