quarta-feira, 31 de julho de 2013

Libros


Não, hoje eu não quero andar rápido. Cansei deste negócio de horário, pelo menos por hoje. Quero só caminhar em paz, quero sentir as coisas passando por mim, quero reparar. Sim, é claro que o sapato apertado me ajuda a tomar a decisão, afinal é impossível manter o passo largo com os dedos sufocados. Quem sabe não foi um decisão do destino me botar cheia de dores e fazer com que eu levante a cabeça para o mundo. Nossa, olha só o mundo! Como tem gente aqui! As paradas lotadas todos querem voltar para casa, eu também quero. Passo de-va-ga-ri-nho...sinto o vento se movendo enquanto as pessoas passam por mim. Pessoas vendendo coisas no chão, todo mundo arranja um jeito de ganhar a vida. Desço, desço, desço, na descida reparo em uma livraria. Será que ela sempre existiu ali? Passo aqui a tantos dias e nunca reparei. Hoje mesmo passei por aqui para ir ao trabalho. É como que se tivesse sido plantada assim, logo depois que passei pela manhã, uma muda de árvore grande. Uma muda de livraria. Não consigo me conter quando vejo livros, gosto da vitrine, do cheiro...ah, como pode existir gente no mundo que não os queira? Como um imã vou em direção a muda plantada logo cedo. Abro as narinas, adoro aquele misto de página, capa e carpete cinza. Deveria ter um perfume com esse cheiro. Respiro de olhos fechados um tempo, oxigênio, carbônico, oxigênio, carbônico, oxigênio...Aí, que delícia! As vezes acho que me alegro com muito pouco, acho bom não é difícil me ver sorrir...acho ruim, porque as pessoas me olham estranho na rua quando rio sozinha. Pensando bem, acho que acho mais bom do que ruim. É...acho que é bom. Bom. Do que eu estava mesmo falando? É assim mesmo, minha memória costuma não ser minha. Deve ter alguma alavanca nela que vive frouxa. Ao invés de se manter em pé, ligada, sempre cai e desconecta o sistema. Deve ser por isso que sempre me pego distraída nas coisas, o que era mesmo? Minha atenção se perde fácil em ver alguma coisa qualquer na rua, dano a rir de nada. Mas acho que isso é bom. Meu riso é fácil, gosta de aparecer. Logo eu, menina de dentes tortos querendo os mostrar. Não se pode, hoje todos tentam consertar usam aparelhos, ou se tem dentes certos, ou se tem aparelho. Acho que os dentes gostam de se mostrar, não por minha vontade, vontade própria deles de querer assustar as pessoas de dentes certos. Agora rio da frase. Riso fácil o meu, mas eu acho bom. Lembrei, estávamos na livraria-muda não é? Voltemos para lá. Enquanto respirava de olhos fechados lembrei de rostos, de gente, de coisas, de bichos. Por um momento tinha nove anos de novo, em cima da árvore, perto do casebre de meu avô. Abri os olhos, não estava com ele morrerá a poucos meses. Espera, poucos? Fiz a conta com os dedos já se iam quase um ano. Um ano! Nossa! Deixei de lado as lembranças e percorri as estações do livros, cada parada um destino diferente. Peguei o trem e andei por tudo. Tudinho. Olhando demorado para cada estação. Na parada seguinte me deti e desci, livros sobre as línguas, dicionários, formas. Sempre foi o meu gosto essas coisas de palavras serem as mesmas...mesmo sendo diferentes. Vi de tudo até um dicionário de Tupi, as palavras eram difíceis de entender, tentava falá-las mentalmente, ria da minha dificuldade, sou pessoa de riso fácil. E, no meu Tupi engraçado, reparei em um vendedor que me olhava. Esqueci que não estava só, quantos outros olharam meu riso sem eu ver? Não sei. De susto escondi os dentes, olhei o livro, mas fiquei reparando com minha visão periférica se o rapaz me olhava. Acho que me olhava. Esqueci disso, eu também olho as pessoas na rua ainda mais se elas estão rindo de livro quero saber o nome para lê-lo e rir também. Peguei em outros livros, outros dicionários, alemão, inglês, japonês, grego...achava graça, achava interesse, ria, lia. O rapaz me olhava com a cabeça escorada na mão e os cotovelos escorados no balcão. Acho que ele não vê muita gente nessa estação. Fui reparar e só tinha eu, é só eu mesma. Talvez devesse estar feliz de ver gente, quem sabe com a esperança da compra, ou me achando bonita...bonita? Acho que não! Faz tanto tempo que não me acham bonita. Nem sei mais se era bonita. Será que era? Não sei. Me detive mais um tempo em pensar em outras coisas olhando para a página do livro. Não sei quanto tempo deu, fiquei com pensamentos profundos, sobre mim, sobre o mundo, sobre a sociedade judaico-cristã ocidental...ri sozinha, rio fácil das coisas. Percebi que o rapaz que me olhava riu, riu de mim e quando olhei ele rindo de mim, ri, ri dele rindo de mim. Rapaz bonito, não havia reparado. Esse pensamento súbito deve ter me deixado vermelha. Paramos de rir olhando um para o outro. Respirei forte, cheiro de livraria é tão bom. O livro pesou nas minhas mãos, lembrei de colocá-lo no lugar. Olhei o rapaz, meu cabelo preso se soltou um pouco como se alguém tivesse mexido, cobria um pouco meu rosto, meus olhos, vi o rapaz entre os fios. Era realmente bonito. Ri de novo e ele retribuiu. Fiz um tchau com a mão direita e ele fez o mesmo. Virei e fui para o metrô. A imagem do rapaz sorrindo na cabeça, bonito, rosto na mão, me olhando, olhando ele...Sinto que amanhã terei vontade de ver livros. Não, sinto que amanhã terei vontade de ver um livro, de capa escura, morena, alto, magro, sorriso bonito, olhos pretos. Quem sabe eu descubro que a história dele tem um fim...bom.