segunda-feira, 21 de abril de 2014

Armazém [1]



O homem chegou ao armazém de seu Belarmindo. Boa tarde, como vai? A cidade era pequena, esquecida no tempo e na história, lugar de gente simples e de muita memória. Gente acostumada com o roçado longo, o dia claro e o descanso pouco. Gente acostumada mesmo com o trabalho, sol a sol. Sem prestígio e sem remédio. Povo de alegria parca e coragem muita. Boa tarde doutor Marcos! O que quer para hoje? O de sempre, o senhor pode me trazer uma garrafa de cachaça e o prato do dia. Encostado na bancada virou para olhar onde sentar. O lugar era pequeno uma dúzia de mesas com cadeiras. Estava tudo ocupado. Somente uma cadeira disponível e ela estava a mesa de um velho negro. Receou ainda em pedir para sentar-se lá esperaria desocupar outro lugar. Não queria almoçar junto de estranho, ainda mais um estranho negro. Seu Belarmindo trouxe a comida, a garrafa e copo. Nada das cadeiras desocuparem...o estômago roncou e ele foi vencido. O senhor dá licença d’eu sentar? O velho homem, com o rosto marcado pelo sol e o trabalho, levantou os olhos do prato e viu o jovem, branco e arrumado. Parecia desses “doutor” metidos a besta. Pensou consigo: não quero ter de almoçar com esse tipo. Olhou para os lados e não tinha nenhum outro lugar vazio. Olhou novamente o jovem branco que esperava, com um sorriso pela metade. Sente-se. O jovem sentou. Hoje o almoço era um baião de dois, especialidade de Dona Carminha, a esposa de seu Belarmindo. Quando era dia de baião o armazém ficava cheio, para a alegria do dono. Mas, voltemos aos dois na mesa, estavam lá lado a lado pensando cada qual na sua vida querendo estar longe um do outro. Preconceitos sem explicação embutidos na pele pelo tempo, pela história, pela desmedida humana. Eu sou mais você é menos. Eu sou mais você é menos. Eu sou mais você é?....menos. Mentiras repetidas por tanto tempo para ter cara de verdade. Estavam tensos, os dois. Pensando em histórias da carochinha de como gente assim [?] não presta, não tem valor, não tem respeito. Os dois pensavam a mesma coisa, mas em sentidos contrários. E, não sei bem te dizer o porquê, eles começaram a conversar.

- O senhor quer um copo de cachaça? Cai bem para acompanhar o baião de Dona Carminha.

Talvez o sorriso do rapaz tenha sido um convite para o velho. Ou quem sabe, ele só precisasse de um pouco de ardência para desenrolar a língua.

- Já que o senhor oferece, vou aceitar sim.

- Seu Belarmindo, me traz mais um copo, por favor.

O rapaz era deveras polido. Havia estudado anos fora dali, conhecendo da agitação dos estudos e das noites da capital. Aproveitou o tempo com todas as oportunidades. Conheceu doutores e mulheres, fartou a mente e o corpo. Fez o curso de doutor em letras, mas, quando voltou para cidadezinha, o máximo que conseguiu foi o emprego de tabelião no cartório. Apesar de parecer pouco para aquela gente ele era uma autoridade de respeito. Virou orgulho dos pais e da família. Vejam só que maravilha! Meu filho TABELIÃO. Vinha de família simples: o pai sapateiro, a mãe cozinheira. Não se tinha muito na casa, mas nunca lhe faltou comida. Quando criança caminhava na rua com suas artes e façanhas, ajudava nas casas para conseguir um trocado, ou uma comida mais farta. A mãe se orgulhava: meu menino vai ser muito trabalhador quando crescer.

Dona Joana, mãe do rapaz, demorou muito tempo até que conseguisse firmar a barriga. Foram 4 anos de casada sem nada de filhos. Já estava desgostosa e sem alegria de tentar. O povo da cidade dizia que era mau agouro, olho grande. Tinha quem dissesse que era macumba feita para que ela nunca fosse feliz, também andando com preto dá nisso. Outros ainda, diziam que ela era doente incapaz de fazer o que toda mulher deveria: dar um filho ao seu esposo. Essa cobrança do mundo sempre lhe causou sofrimento, ainda mais para ela, moça nova e bonita vinda de outra cidade. A ela restou apenas abaixar os olhos e se apegar com Deus. Pois, naquele tempo, a única que lhe era amiga era Dona Filomena pessoa de muito amor que cuidava das casas grandes que ficavam nas fazendas. Naquele tempo ela já se tornara governanta da casa dos Pereira, mas antes já havia limpado muito chão e muita panela.

Um dia, nas suas rezas pedindo para que um filho lhe firmasse na barriga ouviu palmas no portão.

- Joana! Oh, Joana! - Era Dona Filomena.

Joana estranhou a hora, ainda era cedo para que ela aparecesse. Tratou de ir abrir a porta, devia ser coisa importante. Abriu a casa, entraram as duas. Sentaram-se na poltrona da sala. Filomena trazia um embrulho em papel de jornal e Joana estava curiosa para saber o que era aquilo. Percebendo o olho comprido da amiga foi logo falando:

- Escute, acho que encontrei um jeito de você firmar o menino no ventre. Descobri o que ocê táva fazendo errado - Os olhos de Joana se arregalaram, será possível que ali, no embrulho, havia um milagre? – O problema é que ocê tava pedindo pro santo errado. Nosso Senhor Jesus Cristo pode tudo, mas ele não entende dessas coisas de mulher não. Ele era santo demais e nem nunca sabe como é que é ter filho. Ouvi a filha do Seu Pereira dizendo que a filha do Seu Mathias só segurou menino na barriga depois que fez novena para a Nossa Senhora. Mas não é só Nossa Senhora não, é para Nossa Senhora do Desterro – Ao falar na santa Filomena abriu o embrulho, ela carregava a imagem da santa – Agora eu tenho certeza Joana, vai dar certo. Eu mesma fui lá na igreja e pedi a imagem para o Padre, agora é só ocê rezar direito para encher a barriga.

Filomena sorria para o rosto iluminado de Joana. Não custava tentar, mal não iria lhe fazer. Encheu o coração de esperança, agradeceu a amiga com um forte abraço. A negra apressada logo se despediu, pois ainda precisa voltar para a lida.

Sozinha em casa Joana pôde enfim olhar a imagem com mais cuidado. Era a Nossa Senhora que vinha carregando o menino Jesus nos braços, sentada em um burro e olhada por José. Colocou a santa no altar, acendeu uma vela, dobrou seus joelhos no chão, entrelaçou as mãos na altura do coração, abaixou a cabeça e pôs-se a rezar.

- Oh minha Nossa Senhora, desculpa se negligenciei a sua benção realmente não havia lembrado que a senhora é a mãe de todos nós, nossa intercessora junto ao pai. Me perdoe se na sede de alcançar a minha graça esqueci que a Senhora, melhor do que qualquer outro, saberia entender minha agonia e angústia. Mãe santíssima, perdoa essa filha que por querer tanto alcançar o milagre não soube pedir a quem é de direito. Perdoa, mãe. Se a Senhora ainda enxergar nessa filha o merecimento de receber o ventre cheio com um menino, para a glória e benção dessa família, permita a Vossa Graça sobre mim.

Filomena ao sair ficou aflita, um medo lhe acometeu. Será que Joana iria perceber o fundo? Antes de entregar a imagem a amiga, furou o fundo colocou um pequeno espelho, uma medalhinha de ouro, algumas pétalas e fechou com argila. Foi até uma pequena dispensa, em sua própria casa, ajoelhou-se no centro do quarto, colocou a imagem a sua frente, envergou o corpo até que sua testa tocasse o chão. Com os braços abertos e as mãos espalmadas para cima começou um cântico. Era uma língua estranha aos brasileiros, era o Ioruba de sua terra, de sua velha África. Cadenciado e profundo era o ritmo entoada por ela. Era uma oração em canto, era rezar em verso, era orar rimando. Pedia a sua Orixá, mãe nas cachoeiras, que concedesse a graça a amiga. Lhe cantou o canto, lhe rezou a reza, lhe pediu com pranto. Queria sim que cessasse a dor daquela amiga que lhe acolheu com tanto amor e sinceridade quando toda a cidade lhe virava a cara. Preta, achando que é gente. Andando na rua dos brancos e querendo ser. E ela pediu, pediu a mãe na África que também reinasse no Brasil que ela agora estava. Que a sua força grandiosa atravessasse o mar, o oceano, e fosse derramada no ventre de Joana. O tempo do relógio não soube contar a profundidade do pedido de Filomena, mas quando saiu do quartinho ela sabia que já era metade da manhã.

Depois daquilo contou 3 meses, Joana estava com vida na barriga. Não se sabe qual foi a reza certa [mas tem reza errada?], mas as duas amigas sorriam satisfeitas. Todo dia, cada qual a sua santa, pediam para que aquela vida vingasse e que a proteção maior cobrisse o dia do parto. E então, a cada mês que virava e nada de ruim acontecia, Joana e Filomena ajoelhavam transbordando alegria e promessas. Virando para o nono mês a vida quis ver cara de gente, chutou, apertou, empurrou. Era hora de chamar o doutor! Seu Josué, pai do menino, foi logo correndo pela cidade, a casa do médico não era longe, na verdade nada lá era longe, cidade pequena é assim só um apanhado de gente. Bateu a porta e não teve resposta, a vizinha disse que o Doutor Geraldo estava atendendo lá na fazenda da Boa Vista.

- Danou-se – pensou o pobre homem, quem poderia ajudar em momento de tamanha precisão? Lembrou logo do nome, virou as costas para vizinha e deu no pé. Correu até a casa de Filomena.

- Cumadi acode, cumadi acode!!

Ela abriu a porta de madeira.

- Mas que diabos Josué, o que foi homem?

- Tá na hora de Joana dar a luz, cumadi, e o Doutor Geraldo não tá na cidade. Sei que você já fez nascer muito menino nesse mundo, preciso de sua ajuda. Vamos lá pra casa, ligeiro!

A negra logo mudou as vestes e se juntou a corrida de Josué. Chegaram a casa e Joana já estava suando muito, com contrações contínuas e rápidas. Não levaria muito tempo, pensou Filomena. Pediu os utensílios a Josué e mandou que saísse do quarto. A amiga, agora em função de parteira, pedia mentalmente a sua Orixá: guia minha mão, minha mãe! Realmente não tardou muito e Josué, aflito na sala, ouviu o choro de vida. A reclamação de quem chega ao mundo sem saber direito como é o caminho. Ouviu Filomena gritando: é um menino! Um menino! Sentou-se na poltrona da sala, recostando a cabeça pesada de tanto esperar. Escorreu uma lágrima do olho direito. É um menino.


Ora, mas tenha calma, que eu só comecei a contar a história.

domingo, 13 de abril de 2014

A.A.



Ele chegara com meia hora de antecedência, tempo suficiente para desistir e ir embora. Mas não podia fazer isso, não podia desapontar mais uma vez aqueles que amava. Parou o carro na rua de cima, não queria ser visto entrando naquele lugar. Nunca imaginou que precisaria daquilo para se livrar da desgraça da sua vida. Abriu o vidro, acendeu um cigarro. Merda! Foi o que pensou. Como chegou aquele ponto? Não sabia ao certo. Vícios são parasitas invisíveis que se apoderam do seu corpo e, caso não sejam extirpados a tempo, da sua alma. Mais que grande merda! Puxou uma tragada bem profunda, queria que a fumaça ocupasse seu pulmão e lhe matasse ali mesmo. É [sempre] muito duro encarar o que há de errado na vida. Soltou a fumaça e sua mente veio lembrar-lhe o porquê de estar ali. Lembrou do que já transcorria a tanto tempo. A mulher lhe disse que não aguentava mais aquela situação, que iria embora se ele não mudasse.

- Traste! Inútil! Olha o que você está fazendo com a nossa família! Olha o que está fazendo a mim, a você! Não vê que essa sua doença está corroendo o pouco amor que ainda consigo sentir por você? Olha-se no espelho, Caio que homem você é?

Olhou-se no espelho, mas se sentia normal. Não entedia o que tinha de errado. Como tudo tinha mudado de figura. O filho lhe tinha asco, vergonha, medo, nojo. Não se sentava perto dele, não queria que fosse buscá-lo na escola. O pequeno garoto de 8 anos já tinha percebido que o pai não era mais como antigamente, não era mais normal. Ouvia os pais brigarem a todo tempo. Escondia-se debaixo do travesseiro para não ouvir os gritos. Chorava de medo, de tristeza. Não sabia o que podia fazer para que os pais simplesmente parassem com aquele furdunço. E com o tempo ele entendeu, a culpa era do pai. E começou a tratá-lo como um pedaço de fígado mole, engole-se sem gostar.

- Pai, por que você é assim? Não gosta mais de mim nem da mamãe? Não quer nos fazer igual aquelas famílias das propagandas? Por que não muda e para de fazer a mamãe gritar? Eu tenho medo quando ela grita. Quando você sai ela se tranca no quarto por horas. Eu sei que ela chora. Não que ela faça barulho, sabe? Mas ela, depois que ela sai dá para perceber os olhos inchados, enormes...e vários e vários lenços de papel no lixo. Vocês vão se separar? Você vai embora? Acho que era melhor você ir embora assim a mamãe não chorava.

O estômago deu uma pontada, um calafrio acompanhado de dor. Toda vez que ele lembrava daquela cena, ele ao lado do filho no sofá...Acho que era melhor você ir embora assim a mamãe não chorava... Acho que era melhor você ir embora... Acho que era melhor você ir embora... assim a mamãe não chorava. Agora era ele quem chorava, um choro sentido e miúdo. Tentava puxar mais uma tragada com a boca trêmula.
Como chegara a esse ponto? Quando chegara a esse ponto? Não sabia. Não entendia como tinha entrado nesse caminho. Não se apercebeu das coisas a sua volta. Os amigos recomendavam: melhor não andar assim. Que nada rapaz, você está exagerando. Que mal a nisso? Agora, pensava, sua mulher quer ir embora, seu filho não quer sua companhia, todos se afastaram. Restaram poucos amigos para lhe dar consolo.

Ficou divagando ainda sobre sua vida. Terminou o cigarro. Ajeitou-se no banco. Olhou ainda mais uma vez para o volante, o carro desligado. Queria mesmo ir embora. Voltar para sua antiga vida de ouro, quando era exemplo, quando era amado por todos, quando tinha amigos. Mas sabia que não poderia fugir de se tratar. Olhou o relógio, faltava pouco mais do que cinco minutos para iniciar a sessão. Fechou os olhos, respirou fundo. Vamos lá cara, você consegue. Vai ser melhor para você. Lembra da sua vida antes disso. Saiu do carro e desceu a rua, entrou no pequeno prédio de 3 andares. A reunião era no 1º piso. Um amigo, que já havia passado pelo menos problema, o indicou o lugar, até disse-lhe que iria com ele se desejasse, mas não, ele quis a companhia, queria fazer tudo sozinho. Na verdade, no fim, não queria dividir sua vergonha com ninguém, queria ir sozinho. Para ele ir sozinho era a única possibilidade de alcançar a cura.

Entrou na sala indicada, sala 102. Entrou e lá no canto havia uma mesa com café e biscoitos, no fundo um armário e no centro um círculo de cadeiras. Já tinham pessoas na sala, conversando, alguns sentados olhando para o infinito. Ao ver aquela cena subitamente suas pernas não obedeceram e quiseram com toda força ir ao lado contrário, como uma criança birrenta. Ele ficou a porta por algum tempo parado tentando entrar, brigando intensamente com seu instinto de sair correndo, o corpo teso, os músculos travados, o suor que lhe escorria nas costas, a respiração quase parando. Quando alguém lhe encostou a mão no ombro direito “Vai entrar? Se não for, saia da porta. Já vamos começar a reunião.” Ele se virou para o senhor e acenou a cabeça dizendo que sim, venceu a briga com as pernas, entrou e se sentou. Todos fizeram o mesmo. Percebeu que o senhor era o coordenador da sessão. Trazia embaixo do braço algumas pastas e devia ter uns 58 anos. Cabelos grisalhos, boca pequena. Caio observava a tudo e a todos sem mexer a cabeça só com os olhos. Pensou que tinham muitos iguais a ele, que estavam em tratamento, queriam mudar.  
- Vamos iniciar mais uma sessão. Para aqueles que são novos e não me conhecem me chamo Marcos. Sou o presidente da fundação e assim como vocês já passei pelo mesmo problema. Não tenham medo de dizer o que sentem estamos aqui para ajudar no que for preciso. Iniciaremos como o de costume, cada um se apresenta e fala um pouco sobre sua semana, de como conseguiu alcançar os objetivos. Alguém?

Começaram. Ele ficou bastante atento. Nossa, certamente eles entendiam o que ele passava. Os relatos eram muitos parecidos com sua vida. Nossa! Todos ali juntos sabiam o que ele estava passando. Era como um confessionário no qual o padre também tinha pecados. Ele ficou, intimamente, maravilhado com a coragem dos outros, com as situações com as vitórias. Como ele poderia acreditar que existiam tantos como ele?
Todos falaram e chegou a sua vez. Todos o olhavam e isso fez com que o suor lhe subisse a testa. Lembrou-se da mulher, do filho, dos amigos. Respirou profundamente e tentou manter a tranquilidade no coração. Ajeitou-se na cadeira, cruzou as pernas.

- Oi, é....meu nome é Caio e... é a primeira vez que eu venho aqui. Foi a indicação de um amigo que me trouxe até essa reunião.

Um leve silêncio, acompanhado de algumas tosses e pessoas se ajeitando nas cadeiras.

- E pelo que eu percebi hoje tenho um problema. Não enxergava como um problema, sempre me achei bastante normal, sabe? Mas de uns tempos pra cá, percebi que não era igual aos outros. E isso tem incomodado todos a minha volta, tem me afastado dos que amo. Não quero que isso aconteça. Minha mulher, meu filho, meus amigos. Todos enxergam o problema que eu demorei a ver. Infelizmente, não sei como mudar, não sei o que mudar, não consigo ver o meu problema. Eu preciso de ajuda, sabe? Não quero perder tudo o que eu construí, quero ser igual a todos na rua. Não quero chamar atenção. Quero mudar. Quero voltar a vida antiga, não quero sofrer. E eu preciso de ajuda.

Marcos então falou:

A sua vinda até nós já é uma grande vitória! Seja bem-vindo ao grupo e mantenha o foco dos seus objetivos. Sei que não é fácil, também já passei por isso. Mas aqui você irá aprender várias técnicas de como se livrar desse mal, como ser normal. Não se preocupe nós o ajudaremos. Sei o quando é difícil ser mal-educado, egoísta e mesquinho. No começo é bem difícil se encaixar no que a sociedade indica como certo, você terá recaídas. É normal. Vai mostrar-se feliz, esquecer de reclamar, de sempre colocar seus problemas como mais difíceis. Não se preocupe, o tempo te dará prática para tal coisas. Aqui teremos dinâmicas de como se portar em grupos, como se superestimar, como se colocar acima dos outros, como humilhar os subalternos. Não se preocupe, você veio ao lugar certo. Logo, logo, sua alegria vai virar rabugice e você será muito bem aceito por todos lá fora.

Caio, então, feliz de sua nova possibilidade, feliz de em breve se encaixar na sociedade sorriu para o senhor e agradeceu. E por isso recebeu sua primeira repreenda. O senhor apontou para a placa que estava acima do portal da porta.

A.A. Alegres Anônimos
Ao entrar neste ambiente lembre-se:
Nada de sorriso.
Nada de gentileza.
Nada de cordialidade.
Nada de ALEGRIA.



quarta-feira, 2 de abril de 2014

Homem, vou dizer como eu te amo



Hoje vou dizer como eu te amo. Meu amor não é mais adolescente, instante em chamas, segundos imprecisos, atitudes desmedidas. Aprendi com você a deixar que o amor me tome por completa e preencha cada pedaço, mesmo o mais oculto, de mim. Meu amor é tranquilo como o mar em maré baixa, não é brinquedo novo de criança. Meu amor por você é com calma, como um sábio que conhece o caminho e desfruta da caminhada. Meu amor é terno como uma mãe que amamenta o filho. Meu amor é radiante como a criança que vai a primeira vez ao parque de diversões. Meu amor é ansioso, como a jovem que se arruma para festa colocando os cabelos de forma precisa e simétrica. Ele é inquieto, como o cientista a busca da nova invenção, da cura do mundo. Ele é silêncio de biblioteca, silencioso ao ouvir o coração. O meu amor é preguiçoso, quer rolar na cama a manhã toda entrelaçando os braços e as pernas em um quebra-cabeça perfeito. Meu amor é luxúria, quatro paredes e dois corpos quentes. Ele é música, que faz os pés dançarem sem saber como. Ele é raiva, raiva amorosa de saber que, independente do certo ou errado, é preciso reparar o coração. Meu amor é instrumento, afinado corda a corda, nota a nota. Meu amor é caldeirão fervendo, borbulhando gostosura e alegria de pensamento. Meu amor é reza, crê em melhoria, escuta a voz divina, se abre ao outro. Meu amor é gigante do pé de feijão que tem uma galinha dos ovos de ouro. Meu amor é pulsante e febril também, como o corpo que aguarda uma carícia antiga. Meu amor é desapego, é tchau com som de volta logo. Meu amor é louco, como aqueles que sorriem para o mundo mesmo que o mundo seja este. Um amor sereno como um campo que floresce esquecido no tempo. Um amor paciente como a mãe que mostra os primeiros passos ao filho. Um amor certo como o velho que espera sem medo a morte que o arrebatará acertadamente. Meu amor é sem alarde, sem medo, sem tristeza, sem pressa. Meu amor é um novo presente, embalado em papel de seda, com fita de cetim e entregue a você por um carteiro alegre. Esse dois (curtos) anos são somente medições modestas de tempo, jaula das horas que os homens insistem em medir. Nossos laços vão além da concreta realidade, nossos nós se ataram de forma única, diferente, constante e terna. Nossos dois anos são o começo de uma vida nova, de claridade, de compreensão. Me sinto sua sem cobrança, te sinto meu sem contrato. Me sinto parte de um todo nosso. E apesar das diferenças precisas [Ela letras e Ele números, Ela Buarque e Ele Disturbed, Ela livro e Ele computador, Ela mãos e Ele robô], o nosso lego veio sem peça faltando pronto para construir nosso castelo [de conto de fadas para Ela, de conto nórtico para Ele].