Na última semana estive assim
pensando em um tema polêmico [muito mais do que mamilos]. Aconteceram vários
fatos que me fizeram manter a cabeça nesse danado do preconceito e permanecer
refletindo. Primeiramente minha avó me mandou uma imagem pelo Whatsapp, sim a
minha avó usa o Whatsup [assim como Facebook, Youtube etc] falando que eu
deveria arranjar um jeito de dar fim naquela falta de gosto sem medida. Era a
imagem do ex-presidente Lula vestido como uma mãe de santo do Candomblé com a
seguinte frase: “O céu também não quis e enviou-o para mim. Eu também não o
quero, por isso o envio para você...Fique com ele...é todo seu!!!! Cuidado...quem
não repassar, fica com ‘o encosto...” E a mensagem da minha avó dizia: “Mamá [apelido
que tenho desde a infância], desculpe se lhe encaminho esta mensagem, mas
fiquei com medo e achei que você poderia dar um fim adequado para este mau
gosto sem prejudicar ninguém”. A primeira coisa que veio a cabeça foi o fato de
minha querida avó achar que eu posso mudar alguma coisa, talvez ela enxergue em
minha a nova geração, os modificadores do mundo. Bom, eu não tenho poderes
mágicos, mas acho que falar sobre o assunto já é mudar alguma coisa. Ela sabe
que sigo uma religião de matriz africana e que, por mais que não seja o
candomblé, de alguma forma eu conseguiria entender o quanto aquilo é ofensivo. O
segundo pensamento é que ela, uma pessoa que a vida toda seguiu a tradição
católica e que já está em uma idade em que poucos se importam em mudar, foi
quem viu um problema naquela imagem e texto, foi ela quem reparou que isso é de
mau gosto, foi ela quem me chamou a atenção.
E tudo isso efervescia em minha
mente quando me deparei no Twitter com um rapaz que, por não achar os óculos,
estava xingando a empregada doméstica dizendo que a culpa só poderia ser dela.
Fiquei aterrorizada com aquilo, um rapaz tão jovem talvez mais novo que eu
tratando uma pessoa assim. E, com isso, tive minha primeira briga no Twitter.
Confesso que me diverti bastante, após cada resposta sem argumentação vinda do
rapaz.
O acontecido me fez pensar ainda
mais no assunto, nos nossos preconceitos que ficam acorrentados como feras
selvagens, puxando a coleira, latindo, uivando, mostrando os dentes, esperando
uma única brecha para se libertar das correntes e atacar.
Para fechar o combo de
acontecimento que me impulsionaram a escrita, estava passeando pelo Facebook e
havia uma publicação mostrando o trabalho que um fotógrafo francês fez nos
bailes funks cariocas. Li a entrevista, vi algumas das fotos e sem querer,
quando voltei à primeira página, esbarrei no botão dos comentários. Antes não
tivesse acontecido, pois o que eu vi ali foram atrocidades contra pessoas,
contra opiniões, contra gosto. Vi comentários que me assustaram, que me
enojaram, que me fizeram ter um pouco menos de fé no mundo. E hoje, sábado às
8h27 da manhã, penso que talvez tenha chegado a uma conclusão não fechada de
tudo isso.
Penso que o preconceito, o porquê
dele existe, está em nosso sentimento mesquinho de superioridade contra os que
não são do nosso “grupo”. Não me parece outra coisa a não ser se colocar em uma
posição de prestígio em detrimento do outro. Por que é bom fazer piada com um
candomblecista? Simples, “porque sou cristão acredito no Deus real, verdadeiro
e único, não sou que nem essa gente que cultua um monte de coisas erradas,
Deuses dos mais variados. Isso nem é uma religião, isso é um culto sincrético
de selvagens”. Resultado eu sou superior e tenho o direito de impor minha
religião e não importa se vou ridicularizar o outro, porque o verdadeiro Deus
está comigo. Você talvez olhe as minhas palavras e pense que estou exagerando,
mas somente aquele que vive o preconceito sabe que, na verdade, os argumentos
são bem piores. E, sim, isso se aplica a tudo. Por que é bom fazer piada com
negro? “Oras, porque na África, de onde essas ‘pessoas’ vieram, vive-se um regime
de selvageria, nunca foram civilizados corretamente, não tem capacidade de
assimilar tal coisa. E, como um povo que era maioria se deixou escravizar?
Porque todos nasceram para servir.” Por que é bom fazer piada com o gordo?
“Quem sabe assim ele faz alguma coisa com aquela pança toda. É simples, faz que
nem eu e vá para academia, as pessoas ficam gordas porque querem. Olha, apesar
de ser gorda, ela tem o rosto tão bonito bem que podia criar vergonha e
emagrecer.”
E assim, vamos repetindo
indiscriminadamente argumentos que não tem base nenhuma para nada. Repetimos
preconceitos imbecis e nem paramos para pensar. “O funk não é cultura, é um
lixo, deveria ser banido do mundo”, mas quando você, classe média alta, está em
uma festa e o DJ contratado toca o som que nasceu no morro todos se levantam
das cadeiras e rebolam loucamente até o chão. Só que na sua festa é legal fazer
isso e no baile funk você chama de depravação vulgar.
Você diz que não tem preconceitos
com negros e que na sua casa até tem uma empregada negra, todavia, intimamente,
você se acha superior aquela pessoa que limpa a sua casa, você tem um bom
emprego, é alfabetizado, sabe argumentar. Mas, se pensarmos um pouco, ela te
põe “refém” em sua casa. Sem ela você não consegue ter a capacidade de procurar
algo e achar. Sem ela você não sabe ligar a máquina de lavar, fica na dúvida de
quando sabão usar, sem ela sua casa vira um chiqueiro. E, por mais que você
reclame e xingue, nunca vai dispensá-la, pois além de fazer um bom serviço
doméstico, provavelmente, ela é quem melhor cuida de você.
Por que não achar graça da piada
feita com o seu grupo? Porque você vê a piada e pensa: mas não é assim. Eu sou
loira, mas não sou burra. A diferença é que quando eu erro é porque sou loira,
quando outro erra é porque não viu direito. Eu sou mulher, mas não sou má
motorista. A diferença é que quando fecho um carro é porque sou mulher e quando
ele fecha um carro é porque não viu no retrovisor.
Quando eu, Mayara Sampaio, erro é
porque sou Umbandista, porque cultuo coisas do demônio, porque não aceitei o
Deus real em meu coração.
Quando eu, Mayara Sampaio, erro é
porque tenho amigos gays e eles são má influência para mim, pois vivem em um
mundo de promiscuidade lasciva.
Quando eu, Mayara Sampaio, erro é
porque sou mulher e não sei direito meu lugar. Porque fui criada por uma mulher
independente [separada, cruzes!!] que me ensinou a ser, da mesma forma
independente. E mulher boa é aquela que não tem opinião própria.
Quando eu, Mayara Sampaio, digo
que não quero ter filhos tenho que ouvir uma multidão acendendo as tochas e me
perguntando “E quem é que vai cuidar de você na velhice?” E se me atrevo a
mencionar que, se filhos tivesse, penso muito mais em adoção a multidão em
polvorosa me amarra na fogueira apontando o dedo e proferindo barbáries.
Quando eu, Mayara Sampaio, erro é
porque uso roupas masculinas pareço um moleque e nunca vou casar, nunca vou
prestar para ser esposa.
Quando eu, Mayara Sampaio, erro é
porque sou ridícula ao não comer carne por uma questão de princípios, afinal
são só bichos e eles tem que morrer porque somos mais fortes.
Quando eu, Mayara Sampaio, erro
não é porque sou humana, porque tenho inseguranças, porque tenho medos, porque
tento experimentar o mundo de uma forma diferente, não é porque estou
experimentando a vida, não é porque quero viver, não é porque quero ser única,
quando eu estou errada é porque não sou a cópia exata de você.