Esse foi um final de semana
diferente e, por isso mesmo, venho diferente, falando assim eu mesma, em 1ª
pessoa. Tive a oportunidade de acompanhar uma viagem ao tão iluminado Rio de
Janeiro, espaço geográfico quase mítico, quase como o misterioso Triângulo das
Bermudas. Quem vive lá não larga, quem visita quer ficar. Essa movimentação
interior, que move os corações daqueles que estiveram ou estão no Rio de
Janeiro, me inquietou. Afinal de contas o que há de tão esplendoroso nesse
lugar? Confesso que viajei com ares de Sherlock Homes para desbravar as pistas
do movimento universal de amor àquela cidade. Na mala levei minha lupa e meu
cachimbo de soltar bolhas e, claro, um biquíni para as horas livres de detetive
[todos somos filhos de Deus, não é?]. Todos sabem [e os que não sabem
saberão] que o Rio de Janeiro é palco de formosura e por lá desfilam grandes
belezas. Temos morros, pedras gigantescas, grandiosidade aterradora para
qualquer ser humano mais sensível. Temos as belezas arquitetônicas colocadas
ali, milimetricamente pensadas para que o encanto envolvesse toda a atmosfera
do lugar. São verdadeiras esculturas ao ar livre. Temos a orla que não teria
como não ser divina envolta de tanto mar. Temos os sorrisos bronzeados dos que
passeiam pelos calçadões e parecem ter se perdido do mundo real por esbanjar
tanta alegria. Temos muitos e muitas com poucas roupas, por causa do calor
claro, desfilando corpos normais, vivos, belos, ostentando sensualidade e calor
[mesmo que sem querer] por poros abertos pela maresia. Ah, uma paixão mais que especial,
e bastante íntima, temos o sotaque carioca. Ai, o sotaque! Não sei o que há
naquele jeito mole de falar que me envolve de ternura e graça e sinto vontade
de ir para praça escutar o povo a falar. A falar qualquer coisa, até um
xingamentozinho, uma briguinha na rua, um “vai tomar no cu” do motorista de
coração e carro fechado, dito sem medida. Coisas de quem se formou em letras e
se apaixona sem medida pelas peripécias da língua. Em contraponto, como toda
cidade real, temos problemas também. Vi assalto, tive desconfianças dos outros,
tive medo, andei com poucas coisas, não chamei a atenção, fechei a cara [como
se isso me assegurasse de alguma forma], olhava para todos os lados, tive
atenção redobrada. Mesmo com a lupa sempre a postos e o olho aberto,
arregalado, não conseguia entender o porquê daquele cenário ter sido cantado
por tantos grandes nomes. Não conseguia entender o porquê de terem tantos
textos belíssimos, de fazer qualquer um suspirar, escritos para aquele lugar,
por aquele lugar. Não conseguia entender o porquê de tantos defensores
fanáticos da cidade. Qual é o mistério mítico do Triângulo do Rio de Janeiro?
Repare que eu disse: não conseguia. Hoje eu consigo. Fui convidada para um
jantar no clube Caiçaras, que fica em uma ilha [um pedacinho de terra] no lago
Rodrigo de Freitas. Ao andar pelo clube conhecendo suas instalações, passeando
por detrás das quadras, um estrondo de luminosidade guiou meus olhos, minha
lupa e meu cachimbo para a compreensão de tudo. Então era por isso! Lá atrás
das quadras, longe dos meninos gritando, longe das bolas chutadas, havia uma fenda
para um universo silencioso e convidativo. Ao atravessar para este lugar pude
ver o que outros tantos antes de mim viram e entendi os versos, as odes para
aquela cidade chamada de maravilhosa. Do lado de lá do portal as lâmpadas dos
postes estavam apagadas possibilitando que minha visão se expandisse para o que estava ao meu redor. Vi um céu enegrecido, distante, com uma lua [quase] cheia
e estrelas. Vi no chão uma cidade iluminada com toda sua pulsação, quase
caótica, mas silenciosa como se todos se movessem ensaiados em uma mímica
ritmada. Vi bem lá no alto o Cristo Redentor com seus braços abertos para uma luz levemente arroxeada.
E, por fim, vi que entre o chão e o céu estava o contorno daquelas pedras,
montanhas de sublime beleza que se destacavam do céu negro, contorno cinza
enevoada que trazia uma sensação de divinizena. Era a substância de Deus na
montanha, era a substância da montanha em Deus. Sabe aquela coisa? Eu estou
aqui, você sabe que estou, mas só posso te mostrar minha sensação, minha borda,
minha essência. E, naquele momento, simplesmente não importava que a ilha
ficasse em águas tão poluídas que não se podia nadar, não importavam os crimes,
não importavam as desconfianças, porque, naquele exato momento, eu pude ver a
criação do mundo, da natureza e do homem em um breve lampejar de clareza. Não
importava nada, a não ser parar e contemplar aquela grandeza [in]finita. Hoje
consigo entender os versos de amor dos meus cantores prediletos e, por já ter
descoberto o mistério, deixei minha lupa por lá mesmo pelas bandas de
Copacabana, talvez a tenha esquecido em Ipanema, Botafogo, quem sabe na Lapa, no Arpoador ou
no Catagalo, fixada em algum castelo de areia, em algum baile funk, em alguma mesa de botequim, para que quem sabe, quando volte, possa conhecer outros tantos
mistérios da cidade que é também para mim maravilhosa.
"Vai, meu irmão
Pega esse avião
Você tem razão de correr assim
Desse frio, mas beija
O meu Rio de Janeiro
Antes que um aventureiro
Lance mão"