terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Poetagem



Ainda hoje, mesmo velha, ainda gosto de me perder em uma livraria, mais especificamente na categoria poesia. Sempre gostei, sempre me interessei, sempre me importei. Essa é conversa antiga, ditada por minha avó, naquelas viagens regadas por Chico, Dorival, Noel, Vinicius, Jobim. Minha formação sonora se encaminhou associada as letras do papel. Quem é este homem, Vinicius, que faz músicas tão divinas e ainda por cima escreve [para mim a música não era escrita, era]. Ele foi o primeiro amor, a primeira paixão e eu, menina, queria sentir aquele amor, aquele desejo [mesmo sem ter ideia do que seria isso]. Queria também aquele sofrimento, aquela dor incondicional, eu queria sangrar, mexer a ferida, esgarçar, morder e por fim, morrer. Morrer em leito sublime com marcha e paletó, velada pelo choro do amado que insanamente me abandonou a própria sorte.  Até que o cheiro de um novo amor de tirasse a mortalha sepulcral e me botasse a dançar novamente. Sempre vivi meus amores no intenso do meu ser, da minha dor, da minha fúria e por assim eu fui e vou. Culpe a poesia, essa louca sensata que me redime. A culpa é dela que me assume como marionete e me consome como uma labareda ladeando e mudando de cor. Culpa, não minha, mas dela que me põe em frente a prateleira da livraria, me faz ler os títulos, passar os dedos nos livros como se passasse as mãos por um corpo sinuoso e cheio de calor. É ela que me ameaça, obriga a abrir o livro. Vem aquele vapor quente de respiração imprimindo meu pescoço, o beijo leve, silencioso, sem pressa na nuca. A página vira e sinto a mão tocando a minha pele, dedos que se demoram a passar de um lado para o outro. São mãos que me puxam, me arrastam, me firmam, me mexem, me sentem. Cai a primeira alça da blusa, um beijo no ombro, que sobe até a base da orelha e me arrepia. Sinto o corpo a me abraçar, o peito nas minhas costas respirando ritmadamente, os braços me apertam e me leva para mais perto, para mais profundo. A mão se eleva, por dentro da blusa, percorre a imensidão dos meus seios nus, me aperta o pescoço e eu já nem posso mais respirar. A outra mão passa pelas minhas coxas grossas, levantando a saia, apertando minha carne e pousa na minha relva e se intensifica, e sussurra, e me chama e me quer, e me quer, e me deseja, e me consome, e me quer, e não para, e pede por mais. Eu sem forças, em êxtase, em loucuras, em aprofundamento, não aguento mais o peso e deixo o livro cair. Quando as páginas se fecham tudo acaba, me lembro do meu redor, olho em volta e ninguém repara. Minhas roupas estão intactas, me abaixo para pegar o título. Seguro com as duas mãos o livro fechado, por precaução, um atendente pergunta "vai levar moça?". Fecho os olhos, mordo os lábios sorrindo, "sim, claro".

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Luto


Eu luto. Luto a séculos, a milênios, a dinastias para me colocar inteiro dentro desse lugar que se reconhece como humano. Eu luto. Já lutei contra aqueles que deveriam estar do mesmo lado que eu. Eu luto. Lutei e luto contra todo tipo de correndo, amarra, chicote, açoite, dor, violência e exclusão. Eu luto. Luto com o mesmo vigor de séculos, pois desde então eles me reconhecem, mas não me conhecem, não sabem a minha dor, não sabem o que eu sinto e nem querem saber. Eu luto. Ainda luto por um regime melhor, igual, único, pois estou ainda no mesmo regime em que comecei a lutar, mudaram-se as roupas, mas o olhar é o mesmo. Eu luto. Eu luto e vou seguir lutando, mostrando, alcançando, caindo, me ferindo e me nascendo. Eu luto. E continuo a minha caminhada de luta, lutando bravamente, às vezes sozinho, às vezes com multidões, às vezes contra mim mesmo. Eu luto. Luto por aquele "mas", "só podia", "não precisa de cota", "não existe preconceito", "não namore a minha filha", "pega o elevador de serviço", "que cabelo é esse", "a vida é assim mesmo", " quem você pensa que é", "isso é religião?", "como ele conseguiu", "corzinha". Eu luto. Luto, falo, grito e espero alcançar, a minha paciência se faz maior do que qualquer virtude, ela permeia séculos. Meu acreditar se fez maior, veio comigo escondido, quieto, mas nunca esquecido. Minha esperança, se visível, preencheria todo o espaço do vazio de você. A minha voz, ainda vai ecoar nos ouvidos surtos até que eles se destampem. Negro é minha cor, e essa é mais uma parte de mim.  

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Outra




Toda vez que eu me encaro sozinha, comigo mesma, bate um desespero de recomeçar a esmiuçar meu ser. Por onde devo começar de novo? A ladainha começa sempre igual e sem medida, um fluxo constante de verdades, dúvidas, certezas e incertezas. Não há a quem recorrer, somos só eu. Somos todas as eus, em roda olhando uma para outra. A inconstância de uma é neutralizada pela estabilidade da outra, enquanto uma se porta como que em meditação, outra se levanta e não para de dar voltas no quarto. Qual delas sou eu? Há uma que parece não ter mais do que 10 anos, a brincar com uma boneca de pano, conversa com ela, rodopia com ela, não repara nas outras em volta...é somente ela e sua bonequinha. A outra falando sozinha, parece brigar, ela grita mudamente com ninguém. A quem será que ela vê? Porque a briga começou? Talvez ela só queira extravasar outra eu, dentro dela. Uma delas dança, canta, atua, pinta e se movimenta com tanta graça que é difícil acreditar que ela sou eu. Tem uma mexendo um bolo, outra lendo alguma coisa com o lápis pousado na boca, tem outra lá atrás com fones de ouvido e sacudindo a cabeça, quase consigo saber o que ela escuta. Entre tantas delas, entre tantas minhas, entre tantas de nós, há uma ao canto, sentada, encolhida, com o olhar parado em nada, abraçando as pernas, com a respiração tão branda que quase não se escuta. Sem explicação ou porquê ela movimenta a mão, com a palma espalmada para ela. Olha delicadamente e com afinco as linhas que desenham sua mão direita, para pacientemente o olhar. A mão esquerda, às vezes, alisa as linhas da direita, e ela balbucia qualquer coisa ininteligível a mim, àquela distância. Com o olhar fixo na cena dela, na cena nossa, tento calcular um jeito de me aproximar de mim sem que ela se assuste. A minha respiração aumenta a frequência, e agora o que fazer? Ponho-me como uma gato, de quatro, e "caminho" sorrateiramente pelas costas dela. A blusa azul, acetinada, balança levemente com uma brisa que não sei de onde vem. Ainda estou seguindo a sua direção, mas para quê? O que fazer quando eu chegar mais perto dela? O que falar? Buscar o autoconhecimento em si não é tarefa fácil. Será mesmo que quero descobrir? A cerca de dois braços de distância, a mão esquerda dela se ergue com o indicador apontando para cima, todos os demais dedos recolhidos, somente o indicador aponta pra cima. Parei o movimento, quase sem respirar, como ela sabia que eu estava ali? Sacudiu o indicador, para um lado e para o outro, o dedo dizia que não. Olhei em volta e todas as eus me olhavam curiosas como se fosse uma surpresa me achar ali. Todas elas se colocaram em círculo, de pé, exceto a eu de costas. Eu, sem saber mesmo o que fazer, permanecia parada, de quatro, com o pescoço virado para as outras, somente os olhos se mexiam, olhando seus rostos, suas formas, o que será que elas...Antes que o pensamento terminasse vi todas elas correndo em minha direção. O que fazer? Não sabia como parar! Cai sentada no chão, com as costas na parede atrás de mim. Elas vinham correndo, pegando impulso para pular...em mim? Encolhi meu corpo, cabeça entre os joelhos, abraçando as pernas, mãos protegendo a cabeça, esperando sentir o baque, um grito fino escapou a boca e...nada. Nada. Nada. Ainda me mantive imóvel por alguns segundos, Levantei a cabeça lentamente, não restava mais nada além de mim e o quarto. O meu bem bate a porta - Posso entrar? Claro! Pode sim - Com o olhar ainda aterrorizado reparo que o quarto está revirado, como se uma ventania tivesse entrado pela janela e tomado conta de todo espaço. Pouso o olhar no meu bem, que me encara com uma cara assustada. - Está tudo bem? O que aconteceu aqui? Você estava lutando com alguém? - E ao dizer isso ele faz um meio sorriso que eu adoro - É, - começo a ajeitar os cabelos e ele vem a minha direção com os braços estendidos para me levantar. Já de pé, com os braços dele enrolados na minha cintura - quase isso, eu acho. 

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Colorlivros


Você provavelmente já ouviu falar da nova febre do momento, os livros de colorir para adultos. Sim, sim eles existem e estão fazendo o maior sucesso! Estão nas vitrines de livrarias, bancas de jornal (acredite elas ainda existem), na televisão, nas redes sociais, enfim, por todo lado. O livro de colorir voltado para adultos faz parte de uma corrente terapêutica antiestresse, para aliviar tensões, aumentar a concentração, melhorar o humor, ativar as habilidades motoras etc. Com tantos benefícios eu decidi testar, afinal de contas a única coisa que pode acontecer e eu não gostar e dar para os sobrinhos pintarem.
Lá vai Mayara na Leitura comprar livro de colorir. Nem deu trabalho, já na porta da loja havia pilhas e pilhas desse livro! Peguei o primeiro e fui para o caixa, aproveitei e comprei lápis de cor, por que né? Comprei o benedito, "A floresta encantada" de Johanna Basford. É um livro com ilustrações belíssima, além de contar uma história de caça ao tesouro. Nele você tem um joguinho de "pique-esconde" no qual a autora indica quantos animais de cara espécie tem no livro para que você os encontre. Achei o preço bastante razoável comprei o livro por R$ 26,90, mas caro mesmo são os lápis de cor. O meu foi mais caro porque, por indicação de uma MMMIIIIGGGAAA arquiteta, comprei a caixa da Faber Castel que, para ela, tem a melhor cobertura e cor. A segunda indicação foram os lápis da Acrilex, porém como não tinha na loja levei a primeira indicação. Entretanto, para quem quer se divertir, qualquer lápis de cor é lápis!
Aproveitei o feriado de páscoa para começar a brincar de colorir!! Comecei, continuei, continuei, continuei... Gostei bastante de voltar a infância, de colorir, de me irritar por errar a borda da imagem, de não ligar mais para a borda da imagem, de criar com cores, de apontar lápis, de me debruçar no livro, olhos fixos no espaço a ser preenchido. Foi muito bom, realmente a mente (ente, ente, ente...) viaja lugares diferentes ou se mantem estática sem preocupações. A intenção de antiestresse está 100% aprovada! Mas, sempre tem um mas, eu, particularmente, achei que o excesso de detalhamento nos desenhos é bom em partes. Eu levei dois dias para terminar a folha de rosto, DOIS DIAS! Eu achei o detalhamento um pouco cansativo, um pouco chato confesso, mas essa é uma questão bastante pessoal. O tema também não ajuda, é muita folha, muita folha, e mais folha, folha, folha! Rsrsrs! Para o próximo livro já pesquisei um pouco mais e há livros de pintar com temas variadíssimos. De mandalas Astecas a moças nuas. Eu coloquei umas opções aqui para quem se interessou. Claro, antes de colocar, olha só o meu! <3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3<3

Floresta encantada- Johana Basford


  Zumbi para colorir - Thiago Holsi
(Custa R$ 12,00 - Direto no site do ilustrador)


 


Arte como terapia - Queen Books
(Custa R$ 49,90 - Comprar aqui!)


 


Mandalas para relajarse pintando con Gaudí - Sergio Guinot Studio


(Custa 34,70 - Comprar aqui!)

Mandalas para relajarse pintando con Van Gogh- Sergio Guinot Studio

 
Fiquei encantada com esse apanhado de obras, mandalas inspiradas em inúmeros pintores!!
(Custa R$ 34,70 - Comprar aqui!)


Moderns Tattoo Design - Create Haven


 
(Custa $ 4,35 - Comprar aqui!)



Paisley Design Coloring Book - 


 
(Essa série tem vários tipos de desenhos, mandalas, mosaicos)
(Custa R$ 45,90 - Dê uma pesquisada no site, ok?)


Fetish Coloring Book - Magnus Frideriksen
(MEU FAVORITO!!)


 
(Custa $9 .95 - Comprar aqui!)


Coloriu? Gostou? Tem alguma dica? É só deixar nos comentários e compartilhar!



Veja mais livros em:

sexta-feira, 13 de março de 2015

Meu avô




Por vezes a vida no surpreende de sobressalto, de susto, de lembrança. Hoje foi a minha vez. O celular me anunciou o dia 13 de março. Dia de celebração de certo, dia de aniversário, de saudade infinita também. Saudade da risada cheia de graça que vinha dele, saudade da meia careca que enchíamos de beijos ao chegar e ao sair, saudade do ô de dentro! Ô de fora, saudade da prosa boa, da anedota, de ter assunto pra tudo. Saudade da revolta política e do reaça que ele sabia ser. Saudade do prato único, do copo na geladeira, do talher diferente. Saudade do show do milhão, do Sílvio Santos e de pensar: como é que ele pode saber a resposta de tudo? Saudade do livro de palavra cruzadas feito a caneta. Saudade da paciência jogada à carta (roubada, só um pouquinho para que desse certo), saudade do sete e meio e os feijões na mesa. Saudade da brisa calada do lado dele na roça ou no quarto, sentados os dois sem dizer palavra audível, mas com os pensamentos em conversações íntimas. Saudades do não fala sozinha, isso é coisa de doido. Saudade do dormir o dia e acordar a noite. Saudade do Sapotizeiro de bandeira arqueada, fogos de artifício e batismo. Saudade do beiju, da mandioca de manhã, da vitamina sagrada e do caruru de Cosme e Damião. Saudades de ouvir ele me chamar, do jeito só dele, do jeito só nosso. Saudade do equilibrista do copo de uísque. Saudade dos chapéus e do óculos em duas fases. Que saudade. Hoje quando escrevo desse grande homem que me inspirou e que me inspira, que me apoiou e que me apoia, que me iluminou e que me ilumina, as lágrimas desaguam dos olhos, talvez por não terem sido derramadas na hora mais acertada, eu mesma estava longe do meu lugar, do seu rosto e da concretude de sua morte. Ou talvez elas nunca cessem de lavar o meu rosto quando penso na minha saudade. Foi com o exemplo dele, na disputa do Correio, que pude ter o despertar da escrita, foi com o incentivo dele que pude descobrir o teatro, foi com a alegria dele que eu soube rir da graça da vida, e é no coração meu que fica guardada toda a densidade dele. Para o meu escritor predileto, meu Ari Toledo primeiro, para meu Adoniran matreiro, para a minha casa no campo, Sapotizeiro, para a minha companhia muda, para o meu encanto com a arte e literatura, para a minha loira do cemitério, para as costelas de dinossauro da estrada, para toda a minha vida, meu voinho.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Frida, minha Frida



E mais uma vez o ano virou e minhas expectativas e vontades de mudança também. Como todo ano eu faço a listinha de objetivos e metas para o ano novo. Neste não foi diferente, logo no primeiro dia do ano pus-me a matutar o que quero, o que queria e o que quererei. Eu sei que é difícil prever o futuro, mas pelo menos vivemos nas projeções. Uma das metas acordada comigo mesma foi que neste ano eu leria um livro por mês. Não que não goste de ler, pelo contrário, essa tarefa não é pesar algum, mas o que falta na minha vida (e na maioria das pessoas que não nasceram ricas) é tempo disponível para fazer o que quer que eu queira fazer. Mimimis a parte, janeiro findou-se o primeiro de 12 livros foi lido. Primeira meta concretizada! [Ok, ok, devo confessar que gastei mais do que um mês, é verdade, pois comecei a lê-lo na última semana de dezembro, de férias na roça]. Comecei e terminei o livro de janeiro e um suspiro de pura grandeza me invade o coração, parte porque consegui cumprir minha primeira meta, parte porque a obra que felizmente chegou a mim é quase gêmea ao meu coração.
O livro em questão foi recebido de presente de mãos graciosas e encantadoras, dado com todo o carinho e a expectativa de quem quer ver alegria nos olhos do outro. Confesso que demorei a abrir suas páginas (meu aniversário foi em agosto!), mas como as filosofias espiritualistas reverberam “tudo a seu tempo”. E já era tempo daquele livro, um pouco pesado, com suas 624 páginas, pousar ao meu colo e abrir um novo mundo a mim.
A leitura foi da biografia da pintora mexicana Frida Kahlo escrita por Hayden Herrera presente muito bem escolhido, diga-se de passagem. Por quê? Porque mesmo não conhecendo a fundo a história de Frida, como conheci agora, eu sempre tive uma queda por suas pinturas, por seu estilo, pela essência um tanto transcendental que a figura daquela mulher me emana. É alguma coisa entre o divino e profano, sempre foi um meio termo entre o medido e o sem medida, não sei bem, mas depois da leitura da obra consegui encontrar o porquê dessa minha sensação e como ela estava exata.
O livro da história de Frida tem uma linguagem leve embora com passagens bastante densas, sentidas e, por vezes, asfixiantes. Quando se trata da análise dos quadros e da relação que eles obrigatoriamente têm com as passagens pessoais da pintora, você sente o estômago com borboletas raivosas. As análises permeiam uma poética singular e triste, sufocante e deslumbrante ao mesmo tempo, pelo menos pra mim. As pinturas de Frida tem uma singularidade quanto a forma, tema e expressividade. Saber das histórias por trás das obras, saber dos choros, tequila e canções faz com que as obras tenham, a cada página, mais significância.
A obra segue uma linha cronológica exata, começo, meio e fim com vários relatos de companheiros, amigos, amores, cartas, páginas do diário da pintora, assim como passagens da biografia de Diego Rivera (esposo de Frida). Os depoimentos ora só intensificam a imagem forte, de cabeleiras presas a tranças e flores, mãos cheias de anéis e roupas de cores vibrantes, ora demonstram a fragilidade e angústias (esses relatos, somente os mais íntimos [dos íntimos] conheciam).
A leveza apresentada está envolta de uma poética sensível aos corações mais duros. Frida foi, antes de tudo, uma apaixonada pela vida. Seu coração pulsava de amores a sua nação, a sua mexicanidade, à vida e, principalmente, à Diego Rivera com quem fora casada (duas vezes). Casamento que anda na fronteira da loucura e do arrebatamento [digo que nessas passagens, por vezes, meu feminismo quis esganar Diego e Frida, por vezes soprei conselhos ao vento e em vão, pois essa mulher não me ouvia]. Diego e Frida eram as verdadeiras almas gêmeas, pena que Diego não fosse tão adepto ao monogamismo. Ele, em vários relatos, disse o quanto precisava dela. E ela, inquestionavelmente, vivia para ele, por ele e com ele:

Diego. Início
Diego. Construtor
Diego. Meu bebê
Diego. Meu namorado
Diego. Pintor
Diego. Meu amante
Diego. “meu marido”
Diego. Meu amigo
Diego. Minha mãe
Diego. Eu
Diego, universo
Diversidade na unidade
Por que eu o chamo de meu Diego? Ele nunca foi e nem nunca será meu. Ele pertence a si mesmo. (p. 459).

Se eu pelo menos tivesse comigo as carícias dele, do mesmo jeito que o ar acaricia a terra, a realidade de sua pessoa me faria mais feliz. Isso me distanciaria da sensação que me enche de cinza. Então nada seria mais profundo em mim, tão definitivo. Mas como explicar a ele a minha enorme necessidade de ternura! Minha solidão de muitos anos. Minha estrutura mal adaptada porque desarmoniosa. Creio que é melhor ir embora, escapar. Deixar que tudo passe em um segundo, Ojála [que Deus permita]. (p. 486).

Frida era paixão e vivia uma vida apaixonada, em suas cartas sempre envia ternuras e beijos a quem fosse o receptor e, também pelas cartas, fica perceptível uma vontade de Frida em não ser esquecida por aqueles a quem ela amava. Paixão pelo outro, paixão pela vida, paixão que inflama todo o sentimento e coração dela e de sua obra.
Ela era [ela é] uma “plurimulher”, multifacetada e inconstante. Que representava sua figura de forma icônica para o agrado geral dos olhos estranhos, mas que escondia encimesmada em si as dores e sofrimentos do amor, das limitações físicas. Um sofrimento a La mexicana.
Lendo suas cartas, suas dores, seus quadros, terminei o livro me sentindo órfã de mãe e pai. Nesse mês me acostumei a aconchegar minhas mãos à cintura de Frida, sentir seu calor, dar-lhe abraços, beijar-lhe a boca, irritar-me com suas atitudes e fazer as pazes, sentir minha dor vizinha ao seu sofrimento, acalentar suas lágrimas, chorar com ela, beber tequila, dançar, ser comunista, acreditar no futuro, bordar minha dor com cara de alegria e flores e tranças e anéis. E pintar, e viver e amar.
Se eu recomendo o livro? Só para aqueles fortes de coração. Só para aqueles que consigam ter paciência de sentir, de observar, de descobrir. Só para aqueles com liberdade suficiente para ser arrebatado por uma mulher sedutora, sensual, reluzente, apaixonada, insana, instigante e imperfeita.  Frida não passou, Frida ficou em mim ficamos de mãos dadas para sempre entre o sofrimento e o amor, entre o desejo, o sexo e a limitação, assim como em “As duas Fridas” de mãos dadas e corações expostos. Uma delas sou eu, sangrando, viva a encarar o observador e a mostrar a terrível beleza do meu sofrimento.

Bom, minha linda, espero que com esta excepcional carta você volte a me amar pelo menos um pouquinho e assim aos poucos me ame tanto quanto antes...responda escrevendo uma poderosa carta-missiva que encha de alegría este coração muito triste que pulsa por você daqui TIC-TAC!!! A literatura é terrível por representar e dar volume às coisas interiores e não é minha culpa se em vez de soar como um coração eu pareço um relógio quebrado, mas...vocês sabem o que eu quero dizer [...] Friduchín (p. 266).