segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Frida, minha Frida



E mais uma vez o ano virou e minhas expectativas e vontades de mudança também. Como todo ano eu faço a listinha de objetivos e metas para o ano novo. Neste não foi diferente, logo no primeiro dia do ano pus-me a matutar o que quero, o que queria e o que quererei. Eu sei que é difícil prever o futuro, mas pelo menos vivemos nas projeções. Uma das metas acordada comigo mesma foi que neste ano eu leria um livro por mês. Não que não goste de ler, pelo contrário, essa tarefa não é pesar algum, mas o que falta na minha vida (e na maioria das pessoas que não nasceram ricas) é tempo disponível para fazer o que quer que eu queira fazer. Mimimis a parte, janeiro findou-se o primeiro de 12 livros foi lido. Primeira meta concretizada! [Ok, ok, devo confessar que gastei mais do que um mês, é verdade, pois comecei a lê-lo na última semana de dezembro, de férias na roça]. Comecei e terminei o livro de janeiro e um suspiro de pura grandeza me invade o coração, parte porque consegui cumprir minha primeira meta, parte porque a obra que felizmente chegou a mim é quase gêmea ao meu coração.
O livro em questão foi recebido de presente de mãos graciosas e encantadoras, dado com todo o carinho e a expectativa de quem quer ver alegria nos olhos do outro. Confesso que demorei a abrir suas páginas (meu aniversário foi em agosto!), mas como as filosofias espiritualistas reverberam “tudo a seu tempo”. E já era tempo daquele livro, um pouco pesado, com suas 624 páginas, pousar ao meu colo e abrir um novo mundo a mim.
A leitura foi da biografia da pintora mexicana Frida Kahlo escrita por Hayden Herrera presente muito bem escolhido, diga-se de passagem. Por quê? Porque mesmo não conhecendo a fundo a história de Frida, como conheci agora, eu sempre tive uma queda por suas pinturas, por seu estilo, pela essência um tanto transcendental que a figura daquela mulher me emana. É alguma coisa entre o divino e profano, sempre foi um meio termo entre o medido e o sem medida, não sei bem, mas depois da leitura da obra consegui encontrar o porquê dessa minha sensação e como ela estava exata.
O livro da história de Frida tem uma linguagem leve embora com passagens bastante densas, sentidas e, por vezes, asfixiantes. Quando se trata da análise dos quadros e da relação que eles obrigatoriamente têm com as passagens pessoais da pintora, você sente o estômago com borboletas raivosas. As análises permeiam uma poética singular e triste, sufocante e deslumbrante ao mesmo tempo, pelo menos pra mim. As pinturas de Frida tem uma singularidade quanto a forma, tema e expressividade. Saber das histórias por trás das obras, saber dos choros, tequila e canções faz com que as obras tenham, a cada página, mais significância.
A obra segue uma linha cronológica exata, começo, meio e fim com vários relatos de companheiros, amigos, amores, cartas, páginas do diário da pintora, assim como passagens da biografia de Diego Rivera (esposo de Frida). Os depoimentos ora só intensificam a imagem forte, de cabeleiras presas a tranças e flores, mãos cheias de anéis e roupas de cores vibrantes, ora demonstram a fragilidade e angústias (esses relatos, somente os mais íntimos [dos íntimos] conheciam).
A leveza apresentada está envolta de uma poética sensível aos corações mais duros. Frida foi, antes de tudo, uma apaixonada pela vida. Seu coração pulsava de amores a sua nação, a sua mexicanidade, à vida e, principalmente, à Diego Rivera com quem fora casada (duas vezes). Casamento que anda na fronteira da loucura e do arrebatamento [digo que nessas passagens, por vezes, meu feminismo quis esganar Diego e Frida, por vezes soprei conselhos ao vento e em vão, pois essa mulher não me ouvia]. Diego e Frida eram as verdadeiras almas gêmeas, pena que Diego não fosse tão adepto ao monogamismo. Ele, em vários relatos, disse o quanto precisava dela. E ela, inquestionavelmente, vivia para ele, por ele e com ele:

Diego. Início
Diego. Construtor
Diego. Meu bebê
Diego. Meu namorado
Diego. Pintor
Diego. Meu amante
Diego. “meu marido”
Diego. Meu amigo
Diego. Minha mãe
Diego. Eu
Diego, universo
Diversidade na unidade
Por que eu o chamo de meu Diego? Ele nunca foi e nem nunca será meu. Ele pertence a si mesmo. (p. 459).

Se eu pelo menos tivesse comigo as carícias dele, do mesmo jeito que o ar acaricia a terra, a realidade de sua pessoa me faria mais feliz. Isso me distanciaria da sensação que me enche de cinza. Então nada seria mais profundo em mim, tão definitivo. Mas como explicar a ele a minha enorme necessidade de ternura! Minha solidão de muitos anos. Minha estrutura mal adaptada porque desarmoniosa. Creio que é melhor ir embora, escapar. Deixar que tudo passe em um segundo, Ojála [que Deus permita]. (p. 486).

Frida era paixão e vivia uma vida apaixonada, em suas cartas sempre envia ternuras e beijos a quem fosse o receptor e, também pelas cartas, fica perceptível uma vontade de Frida em não ser esquecida por aqueles a quem ela amava. Paixão pelo outro, paixão pela vida, paixão que inflama todo o sentimento e coração dela e de sua obra.
Ela era [ela é] uma “plurimulher”, multifacetada e inconstante. Que representava sua figura de forma icônica para o agrado geral dos olhos estranhos, mas que escondia encimesmada em si as dores e sofrimentos do amor, das limitações físicas. Um sofrimento a La mexicana.
Lendo suas cartas, suas dores, seus quadros, terminei o livro me sentindo órfã de mãe e pai. Nesse mês me acostumei a aconchegar minhas mãos à cintura de Frida, sentir seu calor, dar-lhe abraços, beijar-lhe a boca, irritar-me com suas atitudes e fazer as pazes, sentir minha dor vizinha ao seu sofrimento, acalentar suas lágrimas, chorar com ela, beber tequila, dançar, ser comunista, acreditar no futuro, bordar minha dor com cara de alegria e flores e tranças e anéis. E pintar, e viver e amar.
Se eu recomendo o livro? Só para aqueles fortes de coração. Só para aqueles que consigam ter paciência de sentir, de observar, de descobrir. Só para aqueles com liberdade suficiente para ser arrebatado por uma mulher sedutora, sensual, reluzente, apaixonada, insana, instigante e imperfeita.  Frida não passou, Frida ficou em mim ficamos de mãos dadas para sempre entre o sofrimento e o amor, entre o desejo, o sexo e a limitação, assim como em “As duas Fridas” de mãos dadas e corações expostos. Uma delas sou eu, sangrando, viva a encarar o observador e a mostrar a terrível beleza do meu sofrimento.

Bom, minha linda, espero que com esta excepcional carta você volte a me amar pelo menos um pouquinho e assim aos poucos me ame tanto quanto antes...responda escrevendo uma poderosa carta-missiva que encha de alegría este coração muito triste que pulsa por você daqui TIC-TAC!!! A literatura é terrível por representar e dar volume às coisas interiores e não é minha culpa se em vez de soar como um coração eu pareço um relógio quebrado, mas...vocês sabem o que eu quero dizer [...] Friduchín (p. 266).