E mais uma vez o ano virou e
minhas expectativas e vontades de mudança também. Como todo ano eu faço a listinha
de objetivos e metas para o ano novo. Neste não foi diferente, logo no primeiro
dia do ano pus-me a matutar o que quero, o que queria e o que quererei. Eu sei
que é difícil prever o futuro, mas pelo menos vivemos nas projeções. Uma das
metas acordada comigo mesma foi que neste ano eu leria um livro por mês. Não
que não goste de ler, pelo contrário, essa tarefa não é pesar algum, mas o que
falta na minha vida (e na maioria das pessoas que não nasceram ricas) é tempo
disponível para fazer o que quer que eu queira fazer. Mimimis a parte, janeiro
findou-se o primeiro de 12 livros foi lido. Primeira meta concretizada! [Ok,
ok, devo confessar que gastei mais do que um mês, é verdade, pois comecei a
lê-lo na última semana de dezembro, de férias na roça]. Comecei e terminei o
livro de janeiro e um suspiro de pura grandeza me invade o coração, parte
porque consegui cumprir minha primeira meta, parte porque a obra que felizmente
chegou a mim é quase gêmea ao meu coração.
O livro em questão foi recebido
de presente de mãos graciosas e encantadoras, dado com todo o carinho e a
expectativa de quem quer ver alegria nos olhos do outro. Confesso que demorei a
abrir suas páginas (meu aniversário foi em agosto!), mas como as filosofias
espiritualistas reverberam “tudo a seu tempo”. E já era tempo daquele livro, um
pouco pesado, com suas 624 páginas, pousar ao meu colo e abrir um novo mundo a
mim.
A leitura foi da biografia da
pintora mexicana Frida Kahlo escrita por Hayden Herrera presente muito bem
escolhido, diga-se de passagem. Por quê? Porque mesmo não conhecendo a fundo a
história de Frida, como conheci agora, eu sempre tive uma queda por suas
pinturas, por seu estilo, pela essência um tanto transcendental que a figura
daquela mulher me emana. É alguma coisa entre o divino e profano, sempre foi um
meio termo entre o medido e o sem medida, não sei bem, mas depois da leitura da
obra consegui encontrar o porquê dessa minha sensação e como ela estava exata.
O livro da história de Frida
tem uma linguagem leve embora com passagens bastante densas, sentidas e, por
vezes, asfixiantes. Quando se trata da análise dos quadros e da relação que eles
obrigatoriamente têm com as passagens pessoais da pintora, você sente o
estômago com borboletas raivosas. As análises permeiam uma poética singular e
triste, sufocante e deslumbrante ao mesmo tempo, pelo menos pra mim. As
pinturas de Frida tem uma singularidade quanto a forma, tema e expressividade.
Saber das histórias por trás das obras, saber dos choros, tequila e canções faz
com que as obras tenham, a cada página, mais significância.
A obra segue uma linha
cronológica exata, começo, meio e fim com vários relatos de companheiros, amigos,
amores, cartas, páginas do diário da pintora, assim como passagens da biografia
de Diego Rivera (esposo de Frida). Os depoimentos ora só intensificam a imagem
forte, de cabeleiras presas a tranças e flores, mãos cheias de anéis e roupas
de cores vibrantes, ora demonstram a fragilidade e angústias (esses relatos, somente os mais íntimos [dos íntimos] conheciam).
A leveza apresentada está
envolta de uma poética sensível aos corações mais duros. Frida foi, antes de
tudo, uma apaixonada pela vida. Seu coração pulsava de amores a sua nação, a
sua mexicanidade, à vida e, principalmente, à Diego Rivera com quem fora casada
(duas vezes). Casamento que anda na fronteira da loucura e do arrebatamento
[digo que nessas passagens, por vezes, meu feminismo quis esganar Diego e
Frida, por vezes soprei conselhos ao vento e em vão, pois essa mulher não me
ouvia]. Diego e Frida eram as verdadeiras almas gêmeas, pena que Diego não
fosse tão adepto ao monogamismo. Ele, em vários relatos, disse o quanto
precisava dela. E ela, inquestionavelmente, vivia para ele, por ele e com ele:
Diego.
Início
Diego.
Construtor
Diego.
Meu bebê
Diego.
Meu namorado
Diego.
Pintor
Diego.
Meu amante
Diego.
“meu marido”
Diego.
Meu amigo
Diego.
Minha mãe
Diego.
Eu
Diego,
universo
Diversidade
na unidade
Por
que eu o chamo de meu Diego? Ele
nunca foi e nem nunca será meu. Ele pertence a si mesmo. (p. 459).
Se
eu pelo menos tivesse comigo as carícias dele, do mesmo jeito que o ar acaricia
a terra, a realidade de sua pessoa me faria mais feliz. Isso me distanciaria da
sensação que me enche de cinza. Então nada seria mais profundo em mim, tão
definitivo. Mas como explicar a ele a minha enorme necessidade de ternura!
Minha solidão de muitos anos. Minha estrutura mal adaptada porque desarmoniosa.
Creio que é melhor ir embora, escapar. Deixar que tudo passe em um segundo,
Ojála [que Deus permita]. (p. 486).
Frida era paixão e vivia uma vida
apaixonada, em suas cartas sempre envia ternuras e beijos a quem fosse o
receptor e, também pelas cartas, fica perceptível uma vontade de Frida em não
ser esquecida por aqueles a quem ela amava. Paixão pelo outro, paixão pela
vida, paixão que inflama todo o sentimento e coração dela e de sua obra.
Ela era [ela é] uma
“plurimulher”, multifacetada e inconstante. Que representava sua figura de
forma icônica para o agrado geral dos olhos estranhos, mas que escondia
encimesmada em si as dores e sofrimentos do amor, das limitações físicas. Um
sofrimento a La mexicana.
Lendo suas cartas, suas dores,
seus quadros, terminei o livro me sentindo órfã de mãe e pai. Nesse mês me
acostumei a aconchegar minhas mãos à cintura de Frida, sentir seu calor,
dar-lhe abraços, beijar-lhe a boca, irritar-me com suas atitudes e fazer as
pazes, sentir minha dor vizinha ao seu sofrimento, acalentar suas lágrimas,
chorar com ela, beber tequila, dançar, ser comunista, acreditar no futuro,
bordar minha dor com cara de alegria e flores e tranças e anéis. E pintar, e
viver e amar.
Se eu recomendo o livro? Só
para aqueles fortes de coração. Só para aqueles que consigam ter paciência de
sentir, de observar, de descobrir. Só para aqueles com liberdade suficiente
para ser arrebatado por uma mulher sedutora, sensual, reluzente, apaixonada,
insana, instigante e imperfeita. Frida
não passou, Frida ficou em mim ficamos de mãos dadas para sempre entre o
sofrimento e o amor, entre o desejo, o sexo e a limitação, assim como em “As
duas Fridas” de mãos dadas e corações expostos. Uma delas sou eu, sangrando,
viva a encarar o observador e a mostrar a terrível beleza do meu sofrimento.
Bom,
minha linda, espero que com esta excepcional carta você volte a me amar pelo
menos um pouquinho e assim aos poucos me ame tanto quanto antes...responda
escrevendo uma poderosa carta-missiva que encha de alegría este coração muito triste que pulsa por você daqui
TIC-TAC!!! A literatura é terrível por representar e dar volume às coisas
interiores e não é minha culpa se em vez de soar como um coração eu pareço um
relógio quebrado, mas...vocês sabem o que eu quero dizer [...] Friduchín (p. 266).