sexta-feira, 13 de março de 2015

Meu avô




Por vezes a vida no surpreende de sobressalto, de susto, de lembrança. Hoje foi a minha vez. O celular me anunciou o dia 13 de março. Dia de celebração de certo, dia de aniversário, de saudade infinita também. Saudade da risada cheia de graça que vinha dele, saudade da meia careca que enchíamos de beijos ao chegar e ao sair, saudade do ô de dentro! Ô de fora, saudade da prosa boa, da anedota, de ter assunto pra tudo. Saudade da revolta política e do reaça que ele sabia ser. Saudade do prato único, do copo na geladeira, do talher diferente. Saudade do show do milhão, do Sílvio Santos e de pensar: como é que ele pode saber a resposta de tudo? Saudade do livro de palavra cruzadas feito a caneta. Saudade da paciência jogada à carta (roubada, só um pouquinho para que desse certo), saudade do sete e meio e os feijões na mesa. Saudade da brisa calada do lado dele na roça ou no quarto, sentados os dois sem dizer palavra audível, mas com os pensamentos em conversações íntimas. Saudades do não fala sozinha, isso é coisa de doido. Saudade do dormir o dia e acordar a noite. Saudade do Sapotizeiro de bandeira arqueada, fogos de artifício e batismo. Saudade do beiju, da mandioca de manhã, da vitamina sagrada e do caruru de Cosme e Damião. Saudades de ouvir ele me chamar, do jeito só dele, do jeito só nosso. Saudade do equilibrista do copo de uísque. Saudade dos chapéus e do óculos em duas fases. Que saudade. Hoje quando escrevo desse grande homem que me inspirou e que me inspira, que me apoiou e que me apoia, que me iluminou e que me ilumina, as lágrimas desaguam dos olhos, talvez por não terem sido derramadas na hora mais acertada, eu mesma estava longe do meu lugar, do seu rosto e da concretude de sua morte. Ou talvez elas nunca cessem de lavar o meu rosto quando penso na minha saudade. Foi com o exemplo dele, na disputa do Correio, que pude ter o despertar da escrita, foi com o incentivo dele que pude descobrir o teatro, foi com a alegria dele que eu soube rir da graça da vida, e é no coração meu que fica guardada toda a densidade dele. Para o meu escritor predileto, meu Ari Toledo primeiro, para meu Adoniran matreiro, para a minha casa no campo, Sapotizeiro, para a minha companhia muda, para o meu encanto com a arte e literatura, para a minha loira do cemitério, para as costelas de dinossauro da estrada, para toda a minha vida, meu voinho.