sábado, 24 de março de 2012

Sabe aquela moça?




As palmas batendo no portãozinho da casa, acompanhadas de uma voz grave que anuncia a chegada do rapaz. A senhora, com seus passos preguiçosos e demorados, arrasta suas sandálias de dedo até a porta. Sorriso do rapaz, sorriso da velha. Abraço do rapaz, abraço da velha. Beijo do rapaz, lágrima da velha. E já estão conversando na mesa posta fartamente. Sim, tudo na mesma. Mas você sabe daquela moça? Aquela moça! A de lá! A da casinha verde! Não ficou sabendo daquela moça? Ah, meu filho, você sabe que eu não gosto de história...mas a cidade é pequena, escuta-se. Ora, não se tem lá muito o que fazer nesse fim de mundo. Ela estava noiva. É, noiva. Daquele rapaz do mercado. O do mercado...aham...o da esquina...aquele grandão...Ai, ai, tão novo e com memória tão fraca...mas então a moça de lá estava noiva do grandão. Mas não sei, era como se ele não fosse assim...tão feliz. E você nem vai imaginar. Não. Não. Também não. O rapaz se encantou, fez as malas e foi para o mundo atrás de ser feliz. Não disse que você nem ia imaginar. Pois então a moça de lá, sem muito rumo e equilíbrio, danou a ficar na porta de casa, parada assim no portão como que morta, como que uma estátua de ferro. Passava o dia com o olhar fixo na praça, essa aqui da frente onde ela e o moço do mercado tinham se conhecido. Olhar parado, vida parada. Foram dias, meses...passava na frente quando ia a feira, você sabe que eu adoro ir no domingo de manhã, aí passava no portão e a moça com a mesma cara, com a mesma dor. A dor foi tanta que ela nem reparava no olhar dum outro moço, um que ficava na sorveteria da praça. Pois o moço perdia o olho nela, enquanto ela perdia o olho no tempo. Mas aí um dia, olha Leninha que me contou, contou porque viu...contou que o moço do sorvete, quando ela se posicionava no portão como de costume, se aproximou, a tomou nos braços e beijou. É beijou! E beijo mesmo, desses de beijo de filme de cinema! Pois é, assim sem aviso, sem dizer. Aí, não sei se pelo susto, mas a moça acordou, como que por encanto. Leninha só me disse que a moça o puxou pra dentro. Daí, ninguém mais viu a moça de lá do portão, porque ela também aprontou as malas e se perdeu com o moço do sorvete. Ah, pra onde? Bom, dizem que foram pra capital, montar negócio, ser feliz...Pois num é, essas histórias assim dão até matéria de revista. Não ria, não! Não se ri de amor...ora essa! Ah, pois agora você disse certo, até mesmo num fim de mundo que nem esse o amor floresce.