Ela estava em casa sem o marido. Seu primeiro dia
de férias, 30 dias de descanso. Dessa vez não tiraram juntos, ele com muito
trabalho e ela sem paciência de esperar. Ah, mas quando se passa tanto tempo
junto um do outro isso nem faz mais diferença. Viajamos ano que vem, dessa vez
fico em casa. Ahhh, ficar em casa. Há tanto não fico em casa. Quando se tem
mais gente em casa é difícil ficar só. Ai, que silêncio gostoso. O celular
toca, assusta ela. Oi? Oi amor! Aham...tá faço sim! O que? Deixou aqui? Não, não
vi. Tá ponho pra carregar sim. Tá bom. Até mais tarde! Beijo. Que milagre,
esquecer esse bendito computador! Carrega com tanta força. Parece que sempre
está escondendo alguma coisa...[será que está?] Ela nunca tinha parado pra
pensar nessa possibilidade. Traição. Não parecia muito com o jeito dele, tão
calmo, preocupado...mas, será que...não sei. Será? Por alguns momentos ela
pensou e (re)pensou na ideia. Por que pensar nisso? Se lembrou de mãe falando:
minha filha para saber se um homem está te traindo é só perceber se ele lhe
falta na cama. A equação é simples. Homem a gente trata assim: barriga cheia,
saco vazio. E soltava um grande gargalhada de quem já viveu muito a vida, de
quem já viu muito. Não, ele nunca lhe faltara na cama, por isso mesmo nunca imaginou
traições. É certo que o sexo não era o mais emocionante, não o que sonhara,
mas, também, não era ruim. Cumpria a sua cota, nem mais nem menos. Ás vezes
prazeroso, outros dias obrigatório. Resolveu por fim desativar esses
pensamentos, quando lembrou do computador. Logo ali, esquecido, pedindo um
toque, um clique, podendo responder parte das dúvidas. Se existisse alguma
coisa, com toda a certeza estava lá. Ele vive mais com aquela tela do que com
os amigos. Mesmo sozinha em casa, se aproximou olhando para os lados,
certificando-se de que nada além dela poderia ver o que estava sendo feito. Era
uma culpa boa de sentir, uma respiração mais forte, um misto de medo e gostar.
Mexendo no computador. Todo aberto, com todas as senhas, para o incrível
deleite dela. Começou pelo mais simples, e-mail. Leu vários, procurou
recorrências, e quando estava se cansando daquela bobagem...viu um e-mail
bastante convidativo. Abriu, leu, a respiração pareceu lhe faltar. Filho da
puta! Desgraçado! Mentiu bem direitinho para mim. Ela por alguns instantes
parou o olhar na tela e na sua mente vieram todas as cenas das vezes em que ela
foi enganada. Não dá, vou atrasar, hoje não, chego mais tarde, vou me encontrar
com fulano. Filho da puta! Esse era o sentimento dela, tinha esse nome, essa
cara...filho da puta do caralho! É mãe, você errou e riu de lado. Mas por que
diabos fui procurar isso? O que os olhos não veem o coração não sente, não é
mesmo? Desgraçado! Se eu soubesse dessa vida dupla, longe do bom moço paspalho
de casa, já tinha proposto a mais tempos o ménage que sempre quis fazer. Sempre
tive vontade de ser tomada por dois, por mais, de uma vez...[suspiro de
imaginar]. Ele com o jeitinho recatado e puro nunca me deixa fazer como quero,
como gosto. Ah, quantas noites queria diferente, pedi diferente e ele
nada...isso não, me parece tão errado, mulher de casa não gosta disso. Que mal
tem? Não acredito que pra ela ele diz todas essas safadezas e pra mim? Pra mim
é aquele papai mamãe mudo. Quanto tempo desperdiçado. Por horas os pensamentos
rolaram na mente dela, cenas de transas maravilhosas, gozos profundos,
incríveis, cordas, tapas, mordaça. Usou tanto a imaginação sozinha, brincando
com ela mesma. Nunca teve o que queria com ele. Quanto tempo perdido. Quando
reparou no relógio já estava na hora dele estar em casa, e antes de pensar a
chave fez barulho na porta. Ai, e agora? Volte a si, está na hora. O que fazer?
Saiu das janelas, abas, fechou o computador. Oi amor!? Oi querido, como foi no
trabalho? Tudo bem, sabe como é a auditoria está me matando. Sei sim, nossa nem
vi a hora passar, esqueci completamente de tudo...vou fazer uma comida pra
gente. Ah que nada, pede um pizza! Hoje quero a preguiça da noite. Certo. Enquanto
ela ia até a geladeira pegar o folheto para telefonar, um sorriso discreto lhe
acometeu. Não direi o que fiz, não quero que encontrem as minhas sinceras
mentiras, afinal o que os olhos não vem o coração não sente...O que você meu
bem? Marguerita?!