segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Ana e Frida


Ela se preocupava um pouco Ana geralmente não demorava a voltar para casa e já passava das nove. Não quis pensar em nenhuma tragédia, mas o coração que ama só enxerga besteira. Tentou não pensar naquilo, logo, logo Ana estaria em casa. Realmente não tardou muito e ouviu a chave na fechadura, mexendo rigidamente para o lado direito, vencendo o segredo e abrindo a porta. Frida se ajeitou e virou os olhos para porta:
– Até que enfim!
Enquanto Ana entrava dizia:
–  Eu sei, eu sei, eu sei, estou atrasada. – Fechou a porta e a trancou, entrou pela sala e olhou para Frida – Desculpa o atraso e para de me olhar assim! Já estou aqui!
–  Fiquei preocupada, o que aconteceu?
–  Desculpa, é que encontrei uma amiga, a Helena, lembra-se? Ela já veio aqui. Encontrei com ela e ficamos batendo papo ali no shopping e quando vi já eram essas horas.
Ana se aproximou de Frida e a beijou. Foi entrando no quarto, guardou a bolsa, sentou-se na cama, tirou o sapato que estava apertando o mindinho.
– Meu Deus, eu ainda fico sem esse dedo! E aqui, aconteceu alguma coisa? Como foi seu dia?
– Você sabe como é, né? Minha vida é um tanto monótona. Dormi um pouco, pensei um pouco, nada fora do comum.
–  Hum, é mesmo?
– É sim.
–  Nossa, eu estou morta de fome. Vou fazer um rango, está a fim?
– Sempre!
Caminharam para a cozinha, Ana pegou as panelas e o macarrão. Frida ficou junto dela, escorada na bancada americana que dava para a sala.
- Sabe Frida, até que foi bom encontrar Helena assim de surpresa.
- Por que?
- Meu dia estava tão triste, tão sem graça. Tive que ouvir cada asneira, cada idiotice, cada bocozisse.
- Por que?
Ana olhou para a companheira a expressão de dúvida que Frida fazia estava tão bem desenhada que fez com que Ana risse.
- Para de rir de mim!
- Sua cara de dúvida está tão marcada que se eu fosse você virava atriz e ficava rica. – Ana riu novamente –Continuando, hoje foi um daqueles dias de cão.
- Sei, aqueles bichos feios!
- Fiz um cronograma de tarefas que deveria cumprir durante o dia, mas não consegui finalizar graças aquele B-O-C-Ó do meu chefe que não para de fazer reunião para nada. Sabe nada? Então, nada. Minha mesa entulhando de tanto papel, relatório, avaliação, requerimento, processo, atualização, decisão e não consigo ficar sentada 5 minutos em paz. Arh!!!
Enquanto falava sobre seu dia Ana aumentava a voz, virava as mãos como se arrancasse alguma coisa do vento, sacudia a cabeça, fazia bico, mudava de voz. Frida, que já conheci Ana fazia tempo, preferiu não expressar opinião. Sabia que ela estava irritada, sabia que não era hora de falar só ouvir, sabia que em breve isso passava e sabia que, por mais brava que estivesse, não conseguia ser uma pessoa dura. Ana nascera para ser doce e Frida sabia disso. Depois do jantar reclamão e do carinho dato pelos olhos atentos Ana abaixou a guarda e decidiu que não pensaria mais nisso.
- Deixa para lá, não é? Só porque meu dia não começou bem, não quer dizer que não vai terminar bem. Que tal filme largada no sofá?
- Claro!
Assim decidiram, assim fizeram. Ana sentou-se meio deitada no sofá, Frida deitou em seu colo e sentiu o calor da mão que lhe acariciava com cuidado e amor. Frida sabia que era amada e que Ana nunca a machucaria e que, por mais difícil que fossem os dias, tudo passava. Amor, amor era assim mesmo e o delas era puro e verdadeiro. Não importava o que dissessem sobre o assunto, não importa o que os outros achavam – “Eu hein, que coisa estranha” –, as duas sabiam que eram uma da outra como predestinação. Carinho se cria, amor tem-se ou não. Ana havia a acolhido em um momento muito difícil, estava sozinha, triste, desiludida, largada no mundo, mas a partir do momento que seus olhos se cruzaram sorrisos nasceram em seus corações. Era mais do que gratidão, era mais do que carinho, era um amor sem medida, um amor que cuida. Pensando nessas coisas, de olhos fechados, ao receber as carícias esperadas por todo o dia, Frida adormeceu. Quando abriu os olhos novamente já devia ser umas 2h da manhã. Espreguiçou-se, levantou, acordou Ana:
-Vamos para cama?
- Hum, já vou. Deixa eu me colocar no lugar. Ai meu pescoço, fiquei toda torta.
Ana caminhou meio cambaleando para cama, colocou um pijama, ajeitou as cobertas, apagou a luz.
- Você vem?
Disse Ana.
- Só até você dormir, sabe que a noite eu não tenho sono.
Ana adormeceu sem saber o que Frida dizia. Ana nunca saberia o que ela dizia e Frida nunca saberia que não era entendida. Frida, a gata vira-lata adotada a pelo menos 3 anos, não sabia que a dona não a entendia, imaginava que suas conversas eram feitas com completude. Ana, que sempre conversava com a companheira felina, imaginava o dia em que seria respondida pela mais compreensiva amiga que já teve. Elas não se comunicavam verbalmente, mas seus corações eram próximos, unidos, se correspondiam. Carinho se cria, amor tem-se ou não e elas tinham.



*Em homenagem a minha querida companheira, aquela que não sabe ler palavras, mas que decifra meu humor como ninguém.* 

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