Ela se preocupava um pouco Ana
geralmente não demorava a voltar para casa e já passava das nove. Não quis
pensar em nenhuma tragédia, mas o coração que ama só enxerga besteira. Tentou
não pensar naquilo, logo, logo Ana estaria em casa. Realmente não tardou muito
e ouviu a chave na fechadura, mexendo rigidamente para o lado direito, vencendo
o segredo e abrindo a porta. Frida se ajeitou e virou os olhos para porta:
– Até que enfim!
Enquanto Ana entrava dizia:
– Eu sei, eu sei, eu sei, estou
atrasada. – Fechou a porta e a trancou, entrou pela sala e olhou para Frida –
Desculpa o atraso e para de me olhar assim! Já estou aqui!
– Fiquei preocupada, o que
aconteceu?
– Desculpa, é que encontrei uma
amiga, a Helena, lembra-se? Ela já veio aqui. Encontrei com ela e ficamos
batendo papo ali no shopping e quando vi já eram essas horas.
Ana se aproximou de Frida e a
beijou. Foi entrando no quarto, guardou a bolsa, sentou-se na cama, tirou o
sapato que estava apertando o mindinho.
– Meu Deus, eu ainda fico sem
esse dedo! E aqui, aconteceu alguma coisa? Como foi seu dia?
– Você sabe como é, né? Minha
vida é um tanto monótona. Dormi um pouco, pensei um pouco, nada fora do comum.
– Hum, é mesmo?
– É sim.
– Nossa, eu estou morta de fome.
Vou fazer um rango, está a fim?
– Sempre!
Caminharam para a cozinha, Ana
pegou as panelas e o macarrão. Frida ficou junto dela, escorada na bancada
americana que dava para a sala.
- Sabe Frida, até que foi bom
encontrar Helena assim de surpresa.
- Por que?
- Meu dia estava tão triste, tão sem
graça. Tive que ouvir cada asneira, cada idiotice, cada bocozisse.
- Por que?
Ana olhou para a companheira a
expressão de dúvida que Frida fazia estava tão bem desenhada que fez com que
Ana risse.
- Para de rir de mim!
- Sua cara de dúvida está tão marcada
que se eu fosse você virava atriz e ficava rica. – Ana riu novamente –Continuando, hoje foi um daqueles dias de cão.
- Sei, aqueles bichos feios!
- Fiz um cronograma de tarefas
que deveria cumprir durante o dia, mas não consegui finalizar graças aquele
B-O-C-Ó do meu chefe que não para de fazer reunião para nada. Sabe nada? Então,
nada. Minha mesa entulhando de tanto papel, relatório, avaliação, requerimento,
processo, atualização, decisão e não consigo ficar sentada 5 minutos em paz.
Arh!!!
Enquanto falava sobre seu dia Ana
aumentava a voz, virava as mãos como se arrancasse alguma coisa do vento,
sacudia a cabeça, fazia bico, mudava de voz. Frida, que já conheci Ana fazia tempo, preferiu não expressar opinião. Sabia que ela estava irritada, sabia que
não era hora de falar só ouvir, sabia que em breve isso passava e sabia que,
por mais brava que estivesse, não conseguia ser uma pessoa dura. Ana nascera
para ser doce e Frida sabia disso. Depois do jantar reclamão e do carinho dato
pelos olhos atentos Ana abaixou a guarda e decidiu que não pensaria mais nisso.
- Deixa para lá, não é? Só porque
meu dia não começou bem, não quer dizer que não vai terminar bem. Que tal filme largada no
sofá?
- Claro!
Assim decidiram, assim fizeram.
Ana sentou-se meio deitada no sofá, Frida deitou em seu colo e sentiu o calor
da mão que lhe acariciava com cuidado e amor. Frida sabia que era amada e que
Ana nunca a machucaria e que, por mais difícil que fossem os dias, tudo
passava. Amor, amor era assim mesmo e o delas era puro e verdadeiro. Não
importava o que dissessem sobre o assunto, não importa o que os outros achavam
– “Eu hein, que coisa estranha” –, as duas sabiam que eram uma da outra
como predestinação. Carinho se cria, amor tem-se ou não. Ana havia a acolhido
em um momento muito difícil, estava sozinha, triste, desiludida, largada no mundo, mas a partir
do momento que seus olhos se cruzaram sorrisos nasceram em seus corações. Era
mais do que gratidão, era mais do que carinho, era um amor sem medida, um amor
que cuida. Pensando nessas coisas, de olhos fechados, ao receber as carícias
esperadas por todo o dia, Frida adormeceu. Quando abriu os olhos novamente já
devia ser umas 2h da manhã. Espreguiçou-se, levantou, acordou Ana:
-Vamos para cama?
- Hum, já vou. Deixa eu me
colocar no lugar. Ai meu pescoço, fiquei toda torta.
Ana caminhou meio cambaleando
para cama, colocou um pijama, ajeitou as cobertas, apagou a luz.
- Você vem?
Disse Ana.
- Só até você dormir, sabe que a
noite eu não tenho sono.
Ana adormeceu sem saber o que
Frida dizia. Ana nunca saberia o que ela dizia e Frida nunca saberia que não
era entendida. Frida, a gata vira-lata adotada a pelo menos 3 anos, não sabia
que a dona não a entendia, imaginava que suas conversas eram feitas com
completude. Ana, que sempre conversava com a companheira felina, imaginava o
dia em que seria respondida pela mais compreensiva amiga que já teve. Elas não se
comunicavam verbalmente, mas seus corações eram próximos, unidos, se correspondiam. Carinho se
cria, amor tem-se ou não e elas tinham.
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