segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Eu



Hoje vou me travestir de mim mesma para revelar o que o meu íntimo insiste em mostrar descaradamente. Depois de ontem pude perceber a realidade do meu ser que antes era ligado de forma obrigatória a um ventre que não me pertencia. Depois do dia de ontem eu descobri o porquê da minha essência diferente, descobri-me patinho feio nesse lago, nessa represa. Depois do dia de ontem sou estranho no ninho, louca sã de mim. Descobri que sou adotada e o fato apresentado nem me foi surpresa muito grande. O seio do meu lar me mostrou o quanto sou diferente, os meus vizinhos me escancararam a verdade já sabida, aqueles que me rodeiam disseram a plenos pulmões a realidade, me escreveram mensagens intermináveis provando matematicamente a minha orfandade. Assustada, de princípio, me vi com tantas informações que a mente tentou implodir, mas a serenidade religiosa me colocou em eixo novamente. O meu reconhecimento como ser humano, não dependia unicamente das novas informações que me davam, mas do que eu sempre fui. Respirei profundamente meditando aquelas novas visões do mundo e cai em mim depois de alguns minutos. Ouvi, semicalada, ouvi em torpor, ouvi estrondos lacônicos e vibrantes de novas [?] afirmações. A comunicação existiu eu entendi a mensagem, o emissor se apresentou em som e onda e imprimiu nos meus ouvidos e cérebro as palavras pungentes que me transmitiram horror, angústia, desolação.
Ontem à noite me senti órfã, sem reconhecer a minha casa, a minha cidade e principalmente o meu país. Não faço parte dessa xenofobia angular que atingiu o norte e nordeste. Não faço parte da visão díspar do que é certo ou bom. Não faço parte desses seres humanos MEDÍOCRES que não enxergam o outro de forma igual. Os brasileiros genocidas que se apresentaram ontem são seres não-humanos, brutos, sem civilidade ou conhecimento. Certamente vivem em um lugar escuro e sem esperanças, matilha humana de animais selvagens que buscam rasgar, quebrar, destruir o outro que não se enquadre ao bando.
Ontem eu quis ir embora daqui, mas não pela eleição e sim pelas faces de cães raivosos especialistas em tirar dignidade, opção, força, humanidade do outro. Estou...estou...eu nem sei te dizer como estou, sinceramente não sei te dizer o que estou. É muito mais do que asco, é muito mais do que estarrecimento, é muito mais do que incompreensão, é muito mais do que eu senti no primeiro turno. É tanto que meu coração não deve aguentar por muito tempo. Mas eu vou, sei que tenho que suportar, eu vou suportar, não por mim, não pelo o que eu quero, não pelo o que eu acho, mas pelo o que esse povo representa. Eles são minha família, meu sotaque, minha fé, meu destino. Eles são eu, eu sou eles, nós somos mais fortes.
Minha cabeça ainda lateja um pouco, preciso de novos ares, novas mentes, novas visões, novos horizontes. Ainda é preciso muita luta para mudar as concepções mais mesquinhas, ainda é preciso muito chão para que nos enxerguemos como iguais, ainda é preciso muita humanidade em nós. Je suis desolée! Mas ainda busco uma pátria verdadeiramente mãe.

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